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Nice Tupinambá | Empreendedorismo amazônico: mulheres paraenses utilizam da ancestralidade para o negocio próprio

As mulheres da Amazônia são donas não só do seu nariz, mas de suas contas também. Através do empreendedorismo criativo e valorização da identidade Amazônida, seja ela indígena, negra ou ribeirinha e sua conexão com a ancestralidade, vem aparecendo no cenário empreendedor na produção de produtos que têm gerado emprego e renda para elas e os seus.

No Pará, mais de 1 milhão de lares são chefiados por mulheres, isso representa 45% dos lares dependendo financeiramente dessas mulheres, em um país com uma desigualdade alarmante e uma gigantesca dificuldade de acolher mães no mercado de trabalho, como fechar as contas desses lares?

O empreendedorismo feminino é uma alternativa, sem dúvida. De acordo com uma pesquisa do Sebrae, as mulheres paraenses contabilizam 45% dos microempreendedores individuais do estado, em média são 131 mil empreendedoras.

A Amazônia é composta por mulheres criativas, determinadas e fortes, que através do empreendimento tem transformado sua vida. Esse é o caso de Lorena Souza, indígena da etnia de Macuxi, artesã e idealizadora da marca Raízes da Arte. Lorena começou a se interessar pelo artesanato aos 15 anos e hoje, com 37, exibe lindas peças de artesanato ancestral.

Lorena Souza, empreendedora indígena. Foto: Arquivo Pessoal

“Comecei no artesanato na Praça da República, minha referência eram os hippies, até que viajei pelo estado e comecei a entrar nas aldeias dos parentes indígenas e comecei a fazer o artesanato ancestral que é o que carrego no sangue.”

Há cinco anos a Raízes da Arte nasceu com esse nome, contudo a empreendedora relata ainda algumas dificuldades da falta de uma rede de apoio consistente para que as mulheres tenham acesso a algumas feiras de Belém. Segundo Lorena, existem feiras de empreendedorismo que mulheres não são chamadas, muito menos mulheres indígenas, então há uma dificuldade para apresentar o seu negócio.

Tiane Melo, criadora do Manga Poética, marca de roupas que ganhou o estado com sua característica de utilizar expressões tipicamente paraense, começou com a marca em abril de 2020, em meio a pandemia, com uma página na internet onde postou suas poesias com vocabulário regional. Logo este site se tornou um sucesso e a microempreendedora resolveu profissionalizar a marca.

Tiane Melo, empreendedora. Foto: Arquivo Pessoal

A acadêmica de história conta que ela e sua mãe sempre empreenderam em vendas de tortas, salgados e bolo de pote, entretanto nunca foi algo profissionalizado. Para Tiane, o empreendedorismo feminino deveria ser uma política pública.

“Muitas mulheres vivem em situação de violência e vulnerabilidade por conta de uma submissão financeira em relação ao parceiro. Quando entrei nesse ramo conheci muitas manas que são mães solo e foi através do negócio próprio que conseguiram se libertar como mulher criativa e independência financeira. Dar o primeiro passo é muito difícil, mas deve ser dado”, comenta Tiane.

São muitas as facetas do empreendedorismo amazônida. A quilombola Alessandra Caripuna, de Alenquer, traz para o empreendedorismo um pouco da militância amazônida, negra e feminista, somado a uma leitura de mercado que compreende as desigualdades sociais e a perversidade da negação de direitos. A sua grife, Negrices Caripuna, busca romper com a lógica de círculos viciosos da concentração de riquezas e produz de outro olhar: o delas.

Alessandra Caripuna, empreendedora do oeste do estado. Foto: Arquivo Pessoal

Residente em Santarém, Alessandra é Coordenadora da Feira de Afroempreendedores Kitanda Preta naquela cidade. Sua marca de roupas nasceu em 2018 quando precisou de um vestido para um evento e não tinha como comprar um. Seu companheiro Bruno Vasconcelos confeccionou o seu vestido a partir de tecidos africanos e assim nasceu a primeira peça da marca. É a marca de moda afro pioneira no Oeste do Pará, com quatro anos no mercado e uma estamparia carregada de simbologia e ancestralidade.

“Para além da moda, existe também uma motivação de luta contra o racismo, pois no espaço da moda poucas pessoas negras desenvolvem trabalho de criação. Percebemos também que as roupas não são pensadas para nós, por isso temos o dever de trazer essa representatividade. Vemos a Negrices Caripuna como uma realização pessoal, coletiva, militante e de mudança de paradigmas.”

Cada vez mais vemos a mulher amazônida produzir e criar com qualidade produtos que valorizam a região, reforçando a sua identidade e transformando a realidade ao seu redor.

A independência financeira como liberdade

As mulheres sobrevivem resistindo às desigualdades sociais impostas a elas. Hoje ainda recebemos menos que homens no mercado de trabalho. O IBGE aponta que apenas 54% das mulheres com 15 anos ou mais estavam empregadas em 2019, enquanto os homens eram 73%.
Esse cenário demonstra o quanto ainda lutamos por espaço e por uma independência financeira que nos tire da vulnerabilidade social, das dores provocadas pela transversalidade de classe, gênero e raça, da sobrecarga dos três turnos de trabalho e da violência doméstica.

A independência financeira é fundamental para mudanças nas relações desigualdades das mulheres. Um dos exemplos disso são as transformações provocadas pelo Programa Bolsa Família, onde a partir do momento em que elas possuíram renda mínima houve a diminuição da autoridade masculina sobre elas nos lares. Há mulheres que são dependentes financeiramente e vivem sob violência psicológica e doméstica sem conseguir sair dessa situação. A independência financeira feminina é uma potência para a diminuição da desigualdade na sociedade.

A busca dessa independência somado ao mercado de trabalho dominado por homens tem motivado 40% das mulheres brasileiras a empreender, de acordo com a pesquisa do Serasa Experian. A pesquisa aponta que 57% dessas mulheres possui sua renda total vinda do negócio próprio.

Essa é a maneira das mulheres meterem o pé na porta do mercado mostrando que independente das desigualdades impostas pelas sociedades, elas lutam todo dia pela sobrevivência e bem estar da família. São mulheres que fazem a diferença. São mulheres sem medo de construir um presente que seja sinal de transformação social verdadeira. Na Amazônia e no mundo.