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Nice Tupinambá | Onde estão Bruno e Dom? Eu acuso: É de Bolsonaro as digitais dos crimes contra a Amazônia

A mais brutal política anti-indígena desde o regime militar que cria o ambiente para o aumento da violência na região Amazônida

Foto: Reprodução.

Enquanto escrevo, neste amanhecer de 14 de junho, são quase inexistentes as esperanças de encontrar com vida o jornalista britânico Dom Philips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira, há 8 dias desaparecidos na Vale do Javari, no Amazonas. Essa constatação provoca muita dor e indignação.

É com uma enorme indignação, um sentimento de impotência e muita dor na alma que escrevo mais essa denúncia. Hoje é Bruno e Dom, já foi Dorothy Stang, Chico Mendes, Zé do Lago, Paulinho Guajajara e outros, amanhã pode ser outras lideranças indígenas, ambientalista como eu, que já recebi ameaças por denunciar os crimes contra a Amazonia. Até quando Brasil?

Como explicar que em pleno século 21 a barbárie continue sendo o pão de cada dia nesta vasta região, historicamente dependente e submetida a toda sorte de violências? Como não reagir a um presidente que, diante da preocupação nacional e internacional, responde com sua brutal falta de respeito e total ausência de empatia com a dor das famílias?

Trata-se, como todos sabem, de uma tragédia anunciada. A Terra Indígena do Vale do Javari, com seus mais de 8 milhões de hectares, está sob intenso ataque, invadida por garimpeiros, madeireiros ilegais e pescadores predatórios, juntos, misturados e financiados por cartéis do tráfico de drogas, que agem livremente nessa região de fronteira Peru e Colômbia. São essas organizações criminosas, fortemente armadas e dotadas de grande poderio financeiro, que instalaram um Estado paralelo e dão as cartas, sob o olhar cúmplice do governo Bolsonaro.

Bruno Pereira e Dom Phillips desapareceram enquanto faziam pesquisa sobre tribos isoladas
 Evaristo Sa/Getty Images

Chamar a postura de Bolsonaro de cúmplice ou permissiva com essas atividades ilegais ainda é pouco. Trata-se, isto sim, de uma ação consciente que beneficia um circuito econômico que dilacera a floresta, envenena os rios e adoece, mata e coloca em risco de extinção etnias inteiras e os demais povos que vivem da natureza, dela obtendo as fontes do bem-viver.

Não, Bolsonaro é muito mais que cúmplice. Ele é parte de uma máquina assassina quando fornece, por atos e omissões, o discurso que esses grupos precisam para avançar em seus planos de devastação. Afinal, foi ele que prometeu, se eleito, não “demarcar um centímetro sequer de terras indígenas”. Foi ele também que prometeu combater o chamado “ativismo ambiental”, e que acabaria com a Funai e com a tal “fabrica de multas do Ibama”, para que a boiada dos predadores da floresta pudesse passar livremente. E, por fim, foi ordem dele, cumprida bovinamente pelo ex-ministro da (in)Justiça Sérgio Moro, para que demitisse, em outubro de 2019, Bruno Pereira do cargo de coordenador da Funai para Indígenas Isolados ou com pouco contato, depois que Bruno comandou uma megaoperação contra o garimpo ilegal no vale do Javari, isso incomodou os ruralistas amigos íntimos e que dão sustentação ao governo Bolsonaro. A demissão de Bruno foi a senha para que, dois anos depois, os criminosos se sentissem autorizados a atentar contra a vida desse servidor público exemplar, com décadas de contribuição à causa indigenista, e contra seu parceiro de jornada, o jornalista britânico Dom Phillips, um apaixonado pela Amazônia e pelo Brasil.

Mas o governo Bolsonaro não para por ai, através da Funai este governo racista tenta impedi a participação voluntaria dos indígenas na procura pelas vitimas, como denunciou em live na noite de ontem (13), o advogado indígena Eliésio Marubo que é procurador jurídico da União dos povos indígenas do Vale Javari “que a Funai tem impedido sim, o nosso trabalho de realizações das atividades de representação do nosso coletivo” nas buscas pelo amigo Bruno e amigo dele Dom. É por isso que eu acuso o presidente do Brasil pelo sumiço de Bruno e Dom. A culpa é do Bolsonaro!

Liderança indígena acusa a Funai de impedir a participação nas investigações

Na trilha da violência

Nada acontece aqui por acaso. Desde os tempos da invasão colonial, há mais de 522 anos, houve uma intencionalidade destrutiva. Ocupar sempre significou massacrar, subjugar e exterminar. Nunca houve uma integração legítima deste vasto território a algum verdadeiro projeto de nação. Pouco importa se chegam em caravelas ou em modernos jatos. Se ostentam a bandeira da cruz ou os cifrões de bilhões de dólares. Aqui, infelizmente, os representantes da força bruta impuseram a opção do saque e da violência como método.

É por isso que o Brasil se tornou um local extremamente perigoso para os defensores dos direitos humanos e socioambientais. Segundo levantamento da organização Frontline Defenders, com base em dados de 2019, o Brasil era o 4º país mais perigoso para ativistas de direitos humanos no planeta. Naquele ano, pelo menos 23 pessoas foram assassinadas no país, em crimes relacionados a conflitos agrários, direitos indígenas e meio ambiente. Passados três anos, não por coincidência no mandato mais anti-indígena e violentamente contrário às políticas de proteção ao meio ambiente desde o regime militar, a situação que já era crítica foi ficando ainda mais insuportável.

Um dossiê de 172 páginas elaborado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e pelo INA (Indigenistas Associados – Associação dos Servidores da Funai), divulgado nesta semana, conclui que sob Bolsonaro a Funai tem executado uma política anti-indigenista, marcada pela não demarcação de territórios, perseguição a servidores e lideranças indígenas, num contexto de forte militarização de cargos estratégicos e esvaziamento do quadro de servidores efetivos.

No front político, o ataque sistemático à política de proteção ambiental encontrou o campo fértil em um Congresso Nacional dominado pelo lobby do agronegócio e por dezenas de parlamentares financiados pelas mineradoras. Com o Centrão dando as cartas, a pauta da motosserra ganhou mais espaço, sinalizando um desmonte completo do sistema jurídico que a luta social conseguiu imprimir nas páginas da Constituição de 1988 e na avançada legislação dela decorrente. Some-se a isso, também, a tentativa de impor pela via legislativa a absurda tese do marco temporal, abrindo espaço para a destruição dos direitos territoriais de inúmeros povos, cuja presença em suas terras ancestrais não pode ser assegurada quando da promulgação da Constituição em 5 de outubro daquele ano.

Ora, como punir aqueles que pela ação violenta do Estado – principalmente ao longo das duas décadas de ditadura militar ou mesmo nos séculos de colonização – foram expulsos de seus tekoá (lugar sagrado onde o modo de ser e viver indígena se realiza)? É justamente isso que o bolsonarismo pretende, dando um golpe de misericórdia nos direitos territoriais dos mais de 305 povos indígenas existentes em nosso país.

Um canto de luta em favor da vida

Atalaia do Norte, município do Amazonas onde Bruno e Dom desapareceram, ouviu na manhã de ontem (13) o canto dos Marubo, Mayoruna, Matis, Kulinas e Kanamari. Foi um canto de luta em favor da vida de seus amigos desaparecidos e em solidariedade às suas famílias. Foi um grito de protesto contra a política etnocida e criminosa executada pelo governo Bolsonaro e por todos os que o apoiam. Em meio à dor pela perda de aliados valiosos à sua luta, esses indígenas não abaixaram a cabeça. Ergueram seus maracás, seus arcos e suas flechas, demonstrando que formam, antes de tudo, um poderoso escudo humano em defesa da floresta e de seu modo tradicional de vida.

Enxergam pouco os que veem nesse ato algo em favor de um punhado de indígenas perdidos em plena selva. Os parentes do Vale do Javari, segundo maior terra indígena do país, lutam por si, por sua existência, é verdade; mas ao terem essa coragem e determinação estão lutando por todos e todas, pela Amazônia, pelo Brasil e pelo planeta. Lutam por uma vida digna e por um presente que sinalize um futuro de justiça ambiental e de respeito aos direitos humanos e da natureza. Naqueles corpos pintados de jenipapo e urucum, sim, como os de nossos antepassados, toda a humanidade pode e deve se espelhar. Que vençamos ao lado deles essa maré trágica que os de cima querem nos impor.

Hoje, mais do que nunca, vidas importam. Juntemos nossas vozes: onde estão Bruno e Dom? Justiça!