Nesta sexta, 15, indígenas das etnias Munduruku e Kayapó protestaram contra a construção da ferrovia Ferrogrão que beneficia o escoamento da produção do agronegócio e deve transportar soja do Mato Grosso até o porto de Miritituba, em Itaituba, no Pará. O protesto de hoje foi realizado em Novo Progresso, sudoeste do estado.
Para o povo indígena, é mais uma luta contra o avanço dos interesses do agro, o que significa uma ameaça à floresta, reservas e ao território indígena, de modo que os impactos socioambientais já são realidade para as lideranças e seu povo. Além de representar mais desmatamento, segundo as comunidades tradicionais.
De acordo com as lideranças indígenas, uma Comissão de Desenvolvimento Regional do Senado com apoio da prefeitura do município do sudoeste paraense vem fomentando a construção da ferrovia sem seguir processos democráticos cruciais para a implantação do empreendimento, como a falta de consulta prévia, livre e informada junto aos indígenas, como prevê a Convenção 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho.
“A gente não é contra o desenvolvimento do Brasil, mas os nossos direitos estão sendo violados e não negociamos nossos direitos”, afirma Mydjere Kayapó, Relações Públicas do Instituto Kabu.
“Como vamos sair tranquilas para a floresta sabendo que podemos encontrar gente estranha? Vão vir muitos homens para construir a rodovia e podem entrar no nosso território”, preocupa-se a cacica Panh Ô Kayapó, da aldeia Baú, cuja distância do traçado fica a cerca de 50 quilômetros.
O QUE É A FERROGRÃO E COMO ELA BENEFICIA O AGRONEGÓCIO?
Vista como meio de ampliar a capacidade logística e de infraestrutura para o setor do agronegócio, a ferrovia Ferrogrão objetiva conectar o Porto de Mirituba, no Pará, e o Porto de Santarém, também no Pará, ao município de Sinop, no Mato Grosso, obtendo investimentos previstos no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pois está incluída na categoria de concessões em estudo. A Ferrogrão é tida como a mais importante rota de escoamento do setor.
Segundo informações do Ministério da Casa Civil, o projeto tem custo estimado em R$ 25 bilhões e integra a lista de projetos que serão objeto de estudos de viabilidade econômica, social e ambiental. Para o setor agro, a ferrovia terá capacidade de escoar cargas de soja, milho e algodão produzidas no Centro-Oeste do Brasil, servindo como uma espéicie de ‘esteira’.
Em 30 anos, segundo estimativas do setor, a Ferrogrão poderia movimentar 48,6 milhões de toneladas e criaria 160 mil empregos, diminuindo em cerca de R$ 20 bilhões o custo logístico de produção.
ENTRAVES
Para as lideranças indígenas que acompanham o contexto e os estudos de implementação da Ferrogrão, que segue no papel, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) atropelou o direito à consulta dos indígenas ao enviar o projeto em 2020 à apreciação do Tribunal de Contas da União (TCU).
As condicionantes indígenas do projeto, impactadas pelo empreendimento, destinadas a reduzir impactos negativos, se restringiam ao período de construção e os Kayapó Mekrãgnoti, que vivem na área de influência da BR-163 (cujo traçado é próximo à Ferrogrão) reivindicavam o processo de consulta ao Ministério dos Transportes desde 2017, o que ainda não foi atendido.
Em março de 2021, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu todos os processos relacionados à concessão da Ferrogrão acatando um pedido do partido PSOL baseado na inconstitucionalidade da desafetação do Parque Nacional do Jamanxim, localizado em Itaituba, no Pará. Logo em seguida, o Instituto Indígena de Novo Progresso, Kabu, que concentra lideranças de 12 aldeias e 193 famílias do sul do Pará, conseguiu ser admitido como amicus curiae (amigo da Corte) na Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Em meados de 2023, Moraes aceitou um pedido da Advocacia Geral da União (AGU) para que se buscasse uma solução de controvérsias. O governo criou um Grupo de Trabalho que, em sua primeira reunião, não se comprometeu com a Consulta. Conforme destacam as lideranças, governo quer que, ao invés de prévia, como manda a lei, a consulta seja postergada para a fase de licenciamento ambiental.
Tanto Kayapó, como Munduruku que vivem no sudoeste do Pará, estão na área da Província Mineral do Tapajós e sofreram cisões nos últimos anos, com lideranças sendo cooptadas por garimpeiros. Os líderes contrários à presença ilegal de garimpos em seus territórios temem que os mesmos vagões de trem que irão carregar grãos para exportação nos portos do norte do país, acabem sendo usados para voltar com minérios, em um novo ciclo do ouro que irá significar destruição de florestas e mais contaminação de mercúrio nos rios.
O BT solicitou um posicionamento para a ANTT sobre o caso e aguarda retorno.
*Feito com informações do Instituto Kabu e Rede Xingu+.