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‘Nós estamos adiantando o fim do nosso planeta’, afirma marajoara sobre exploração de petróleo na margem equatorial amazônica

“Nós estamos adiantando o fim do nosso planeta e o fim da humanidade”. As palavras são da marajoara e descendente de indígenas Naraguassu Pureza, e foram ditas durante audiência pública para discutir a exploração de petróleo e gás na margem equatorial amazônica, realizada na última sexta-feira, 16, na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), em Belém.

A audiência foi convocada pelo deputado estadual Gustavo Sefer, proponente da reunião e presidente da mesa de autoridades do evento. De acordo com Sefer,  denominado de novo pré-sal,  o projeto será executado na costa do Amapá, e terá apoio logístico totalmente sediado em Belém”.

A Margem Equatorial é vista como uma nova fronteira exploratória por causa de descobertas de petróleo e gás natural realizadas nos vizinhos Guiana e Suriname. O avanço das atividades de exploração é questionado por ambientalistas devido a presença de ecossistemas pouco conhecidos.

Compuseram a mesa da audiência pública, ainda, o deputado Iran Lima; a gerente Executiva da Segurança, Meio Ambiente e Saúde da Petrobrás, Danielle Lomba Zaneti Puelker; o gerente geral de Construção Avaliação e Abandono de Poços Exploratórios da Petrobrás, José Umberto Armando Borges; o gerente geral de Ativos Exploratórios da Petrobrás, Rogério Siares Cunha; o diretor superintendente do Sebrae/PA, Rubens Magno; o secretário em exercício da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Raul Protázio; da Câmara Municipal de Belém, a vereadora Dona Neves e o vereador Emerson Sampaio; o pró-reitor de gestão da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Carlos Capela; e o vice-presidente da Federação das Indústrias do Pará (Fiepa), Alex Carvalho. O presidente da Casa de Leis, deputado Chicão, e os deputados Fábio Freitas e Coronel Neil, também se fizeram presentes.

O objetivo da audiência pública, segundo Gustavo Sefer, é, assertivamente, demonstrar para as autoridades e para a sociedade civil os impactos positivos que o projeto pode trazer para a região. Os impactos negativos e os possíveis danos ambientais não foram pontuados durante a reunião.

“O estado do Pará está à frente, talvez, de uma das maiores oportunidades que nós tivemos nas últimas décadas. Todos os estudos apontam que aqui, na costa do Pará e do Amapá, temos um grande potencial de exploração de gás e petróleo. Comparado, segundo palavras da própria Petrobrás, como um novo pré-sal. Então, a gente sabe o tanto de desenvolvimento e oportunidades que um projeto como esse traz para a região”.

As comunidades tradicionais, que vivem na região do Marajó, não foram convidadas para a audiência pública. Segundo os marajoaras, os representantes das comunidades ficaram sabendo da reunião, de forma informal, e foram até o local para se posicionar de forma contrária ao projeto de exploração. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também não participou da reunião.

“Eu começo a minha fala lamentando a forma como esse espaço foi conduzido, nós não fomos convidados para essa casa, o que acho que foi ruim. Eu deixo a recomendação para que a sociedade civil do território seja convidada para escuta, ainda que tenhamos posições diferentes, eu acho importante que isso seja feito, até mesmo pela legitimidade do espaço. O que a gente vê aqui é muito mais um plenário para falar de uma propaganda e um seminário sobre o assunto, eu deixo primeiramente esse repúdio, e pela condução, as nossas falas foram deixadas por último”, disse o integrante do observatório do Marajó, Luiz Barbosa.

“Outro questionamento é: por que nós não temos aqui representantes do Ibama? Eu já participei de outras audiências, e sempre tivemos representantes do Ibama. Então, para posições contras e a favor, acho que é uma forma de legitimar o espaço”, continuou Luiz.

O gerente geral de Ativos Exploratórios da Petrobrás, Rogério Siares Cunha, usou o tempo de discurso para lembrar que esse processo é necessário para abrir o canal de comunicação para falar sobre a principal fronteira energética do país. “Precisamos de debate, transparência, e entregar o máximo de informações para todos. Mas necessitamos repor reservas. Com o projeto, no futuro, conseguimos garantir a curva de produção crescente e a autossuficiência nacional com a margem equatorial. Então a importância desse projeto é também garantir a autossuficiência energética nacional”, concluiu.

Ao assumir a fala, Naraguasu Pureza alertou sobre os danos irreparáveis que a exploração pode causar a territórios como o Marajó. ” Antes de mexer, nós temos dois encontros, prova disso que o mistério da natureza é tão grande que nenhum de nós conhecemos, nenhuma universidade conhece, porque de 40 em 40 anos a natureza muda, De quatro em quatro mil anos, ela muda mais ainda”.

“Não é lenda que um continente foi para o fundo, e se nós estamos em cima, é porque tem um continente que foi para baixo e surgiu esse oceano atlântico que está aí nesta costa. E justamente nesta costa do Amapá, eu aprendi com os meus ancestrais, que nós temos 13 mares, e cada um tem uma influência. Então, o mar que está lá na Guiana Francesa, quando ele chega aqui, e faz o que chamamos de pororoca (encontro das águas), é um grande mistério e um grande encanto da natureza. Então, eu venho aqui, em nome dos meus ancestrais, dizer que Marajó significa barreira do mar. Para que o mar não avance sobre o restante, nós temos uma barreira, e vocês sabem que quando se tira petróleo, o oxigênio entra, o planeta fica mais leve, e hoje o nosso tempo está passando tão rápido porque nós estamos mais leves. Cuidado para a gente não bater como meteorito e ir embora, como os dinossauros foram.”

“Nasci, cresci e venho de uma descendência Caruana, minha avó é índigena. O conhecimento que eu tô te dando agora, sobre porquê a terra é redonda, é desse povo que viveu no Marajó. Esse povo caruana viveu antes de 1.500, no Marajó. E Marajó significa barreira do mar. Tu sabes que o Oiapoque já está mais em cima do oceano, a Guiana Francesa e o Suriname mais em cima ainda, e nós estamos aqui, abaixo do nível do mar. Vocês estão mexendo num local, e tu sabes que em nenhum canto do mundo tem um rio como o Amazonas, que nasce lá em cima, no Peru, e vem desembocar aqui. Em nenhum canto da face da terra tem isso. Então, antes de vocês tomarem qualquer decisão, não é simplesmente um estudo do que vai impactar ou não, essa parte da terra onde nós estamos, ela define o planeta inteiro”, completou Pureza.

O representante do observatório também questionou a falta de espaço para a criação de políticas socioambientais. “Como morador da ilha do Marajó, território possivelmente atingido pelas questões socioambientais, eu acredito que é muito contraditório também essa casa está criando um espaço e defendendo com unhas e dentes, para se abrir uma nova fronteira exploratória para uma fonte que pode estar com os dias contados. Então, por que a gente não cria espaços como esses para criar alternativas socioambientais para territórios como o Marajó? Esse território que pode ser atingido pela subida do nível do mar. Esses temas também precisam ser colocados. Eu quero dizer que fazer informações de reunião não se caracteriza como consulta prévia, e que a gente gostaria de trazer vários pontos, mas pelo tempo não vai ser possível”.

Sobre o projeto – Com 2.200 km de extensão, o trecho é considerado pela Petrobras como a última potencial fronteira da exploração petrolífera no país, motivo por que também é chamado de “novo pré-sal”.

A Petrobras tem como inspiração o fato de a Guiana já estar operando nessa faixa com bons resultados. O ponto de exploração do país vizinho fica a poucos quilômetros de um dos pontos que a Petrobras pretende perfurar no mar brasileiro. Parte da exploração fica em uma região considerada também a Foz do Rio Amazonas.

O Ibama caminhava para liberar a perfuração, mas, com a virada do governo federal de Bolsonaro para Lula, o processo passou a ser revisto pelo órgão ambiental.

No mais recente movimento, analistas do órgão emitiram um parecer técnico sugerindo a rejeição do licenciamento ambiental sob a justificativa de que há forte impacto ambiental.

Em maio, a Petrobras, então, decidiu encaminhar ao Ibama um extenso documento no qual contesta essa avaliação e apresenta todos seus argumentos favoráveis à exploração.

Em recente entrevista à agencia Sumaúma, Marina Silva disse: “Estou olhando para esse desafio do petróleo na Foz do Amazonas do mesmo jeito que olhei para Belo Monte. É altamente impactante, e temos instrumentos para lidar com projetos altamente impactantes, que é o instrumento da avaliação ambiental integrada, da avaliação ambiental estratégica”.

“Não pode ser licenciado como um caso isolado, temos que olhar para a bacia”, afirmou Marina.

Ibama – Em nota oficial, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, disse que indeferiu no dia 17 de maio, a licença solicitada pela Petrobras para Atividade de Perfuração Marítima no bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas.

“Não restam dúvidas de que foram oferecidas todas as oportunidades à Petrobras para sanar pontos críticos de seu projeto, mas que este ainda apresenta inconsistências preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental”, aponta Agostinho no despacho em que nega a licença ambiental.

No documento, o presidente do Ibama acompanha o entendimento da equipe técnica sobre a “necessidade de se retomar ações que competem à área ambiental para assegurar a realização de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para as bacias sedimentares que ainda não contam com tais estudos e que ainda não possuem exploração de petróleo no prazo mais breve possível”.

AAAS é uma análise estratégica que permite identificar áreas em que não seria possível realizar atividades de extração e produção de petróleo e gás em razão dos graves riscos e impactos ambientais associados.

“A ausência de AAAS dificulta expressivamente a manifestação a respeito da viabilidade ambiental da atividade, considerando que não foram realizados estudos que avaliassem a aptidão das áreas, bem como a adequabilidade da região, de notória sensibilidade socioambiental, para a instalação da cadeia produtiva do petróleo”, acrescenta o presidente do Ibama no despacho.

O Ibama diz que, apesar de regulamentada desde 2012, a AAAS jamais foi realizada na região da margem equatorial. A bacia da foz do Amazonas é considerada uma região de extrema sensibilidade socioambiental por abrigar Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TIs), mangues, formações biogênicas de organismos como corais e esponjas, além de grande biodiversidade marinha com espécies ameaçadas de extinção, como boto-cinza, boto-vermelho, cachalote, baleia-fin, peixe-boi-marinho, peixe-boi-amazônico e tracajá.

É a segunda negativa para atividades de perfuração na região – em 2018, o Ibama negou a emissão de licença para cinco blocos sob controle da empresa Total.

Petrobras – “A Petrobras não comenta o documento, mas segue nosso posicionamento sobre o tema:

A Petrobras aguarda posicionamento do Ibama sobre solicitação de perfuração de poço com o objetivo de verificar a existência ou não de jazida petrolífera na Margem Equatorial, a uma distância de 175 quilômetros da costa do Amapá e a mais de 500 quilômetros de distância da foz do rio Amazonas.

A companhia vem conduzindo diligentemente seu processo de licenciamento ambiental, atendendo todas as exigências definidas pelos órgãos ambientais, e reforça que acatará qualquer decisão, seja liberando a perfuração ou optando por aprofundamento de estudos para avaliação da viabilidade de execução de uma campanha na bacia.

A companhia reforça que vem cumprindo todos os requisitos e procedimentos estabelecidos pelos órgãos reguladores, licenciadores e fiscalizadores para atuar na região da Margem Equatorial, no litoral das regiões Norte e Nordeste. Importante esclarecer que, somente após a perfuração desse poço, se confirmará o potencial do ativo, a existência e o perfil de eventual jazida.

Reforçamos que não há qualquer tipo de pressão da parte da Petrobras. A companhia está pronta tecnicamente esperando o posicionamento oficial.

A Petrobras destaca que a Margem Equatorial contempla as bacias da Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar. Cada região possui características distintas.

A companhia acredita que a Margem Equatorial é a nova fronteira para um grande plano energético do Brasil, envolvendo a atividade de E&P e recursos eólicos offshore.

A Petrobras tem como valor o respeito à vida, às pessoas e ao meio ambiente e continuará executando todas as suas operações seguindo rigorosamente as normas de segurança operacional e as melhores práticas referentes a responsabilidade social e ambiental”.

Ministério de Minas e Energia – “O Ministério de Minas e Energia (MME) informa que as recentes discussões e declarações a respeito da Margem Equatorial referem-se apenas à possibilidade de verificar a existência ou não de petróleo e gás natural no bloco FZA-M-59.

Trata-se de um processo de reconhecimento do subsolo brasileiro, a partir da perfuração de apenas um poço, para fins de pesquisa, para verificar as potencialidades da região e, principalmente, as oportunidades para as brasileiras e dos brasileiros.

O MME destaca ainda que, só após a aprovação e realização deste primeiro estudo, caso seja verificada a existência de petróleo e gás natural no bloco, é que poderão ser tomadas as decisões de governo necessárias, com a participação de todos os agentes públicos envolvidos.

Essa discussão respeitará as diretrizes do governo do presidente Lula, de união e reconstrução, de confiança e de diálogo, levando em conta o respeito ao meio ambiente e as questões sociais e econômicas do interesse do nosso país.