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OAB Pará irá entrar com representação contra fechamento de terreiro de umbanda em Belém

Foto: Mãe Ju e filhos de santo (Reprodução/Redes Sociais)

O recente fechamento do terreiro de umbanda Casa Mãe Mariana, localizado no bairro de Canudos, em Belém, trouxe à tona discussões sobre intolerância religiosa no Brasil. A decisão foi tomada pela Justiça do Pará após denúncias de uma vizinha sobre perturbação sonora.

Segundo a denúncia, “um imóvel em alvenaria de dois pavimentos onde acontecem eventos religiosos com uso de instrumentos de percussão e cantoria (…). Os eventos ocorriam de forma aleatória, sem datas ou horários fixos, ou predefinidos”. Uma equipe de perícia foi até o local utilizando equipamentos especificados no Laudo, observou que o nível de pressão sonora emitido pelo local da poluição estava em 66,9 dB, superior ao limite estabelecido pela norma, de 50 dB.

No entanto, em resposta à denúncia, Mãe Ju comunicou às autoridades que “Realizo sessões de desenvolvimento uma vez por semana, até no máximo 22h30. No entanto, devido às denúncias, precisei interromper as atividades. Hoje, realizo o desenvolvimento dos meus filhos com medo de que apareçam aqui mandando parar tudo, e não posso tocar tambor ou bater palmas. Até mesmo o uso da sineta gerou reclamações. Além da interrupção das atividades, tenho que mudar para outro local, mas aqui também é minha residência, não só o terreiro”, disse mãe Ju.

Foto: Sandro Barbosa – Mãe Ju

Mesmo após realizar adequações no terreiro, como a redução do som, as tentativas de conciliação com a vizinha não foram suficientes para evitar o processo. O caso foi levado ao Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA) pela denunciante, resultando na determinação judicial.

O terreiro, liderado há quatro anos por Jussilene Natividade Maia, conhecida como Mãe Ju, foi intimado a desocupar o local no prazo de 30 dias, além de enfrentar restrições que proíbem manifestações sonoras, caracterizando um Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Em casos de descumprimento, a Mãe Ju terá que pagar multas de R$ 200 a 50 mil reais.

Sentença do juizado especial (Reprodução)

Durante a audiência, a mãe de santo compareceu sem representação jurídica, enquanto a vizinha estava acompanhada de uma advogada. Mãe Ju relatou sentir-se constrangida pela forma como a promotora conduziu o caso, fazendo comentários que, para ela, soaram como desrespeito à sua fé. “A promotora fez uma fala bastante intolerante, comparando a umbanda ao Carnaval”, disse Mãe Ju. O advogado de defesa, Rodrigo Leite, também criticou a postura da promotora, afirmando que a comparação da religião a “uma batucada” evidencia uma atitude preconceituosa dentro do próprio Ministério Público.

Com a sentença de desocupação, a defesa de Mãe Ju reagiu, registrando uma queixa na Delegacia de Crimes Discriminatórios contra a vizinha, acusando-a de intolerância religiosa. “Este não é o primeiro caso. Há outras situações em que o Ministério Público está pedindo o fechamento de casas de Umbanda”, afirmou o advogado, que também destacou a falta de legalização como um dos principais motivos para o fechamento dos terreiros.

O que diz a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

Na noite desta sexta-feira, 13, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Pará, Zé Maria, esteve presente na reunião, no qual estiveram presentes filhos de santo, Mãe Ju, apoiadores e advogados.

A OAB determinou total solidariedade ao terreiro e a todas as comunidades das religiões de matriz africana. Logo, foi decidido que haverá a defesa da Mãe Ju e o terreiro da Mãe Mariana, por meio da Procuradoria de Direitos Humanos do estado, no qual atuará como assistente nesse pedido de ação pública e na transação penal que precisa ser revogada.

Ainda segundo Zé Maria, quando questionado sobre a decisão do MPPA, disse “Foi uma atuação desastrosa. A atuação do Ministério Público nesse caso só incentiva o racismo estrutural e religioso contra as religiões de matriz africanas, porque ele alega a suspensão de uma atividade religiosa devido ao ruído, poluição sonora, sendo que o credo religioso é uma atividade de liberdade constitucional. Não existe culto em silêncio, na maioria das religiões, as pessoas demonstram sua fé, falando, cantando e enfim, não podemos julgar isso. Então o Ministério Publico devia, antes de se preocupar com ruído, tinha que assegurar o direito das pessoas demonstrarem sua fé. A atitude do Ministério está sendo simplista e ao ser simplista, ela reproduz uma atitude racista”, ressaltou o presidente.

O presidente afirmou ao BT que o que ficou acordado durante a reunião nesta sexta-feira, 13, foi que algumas entidades dos Direitos Humanos irão realizar a defesa em solidariedade ao terreiro, no qual será contestado em juízo todas as alegações do Ministério Público, inclusive a ação de contratar uma perícia que apresentou, segundo Zé Maria, erros processuais, técnicos, sendo totalmente equivocada.

“A ação pública trata as pessoas do imóvel como moradores, não estão sendo tratadas como religião, logo, é silenciado a religião quando é citado o dono do imóvel e não as pessoas que alugam o local. Não foi realizado o acompanhamento da perícia na época e na hora do culto, não é apresentado relato pericial… Enfim, é uma série de irregularidades que demonstram o preconceito e o desprezo contra o terreiro, infelizmente, e nós vamos contestar isso”, destacou Zé Maria.

A Comissão de Direitos Humanos da OAB visa garantir direitos e tratar todas as religiões de forma iguais, dentro desse aspecto, várias religiões atuam por meio das falas, cantos, palmas, orações de distintas demonstrações de fé.

Quando o presidente é questionado sobre a legalização dessas práticas religiosas, Zé Maria afirma que “É uma questão muito relativa, porque não podemos oficializar a fé. Ela vai além de um CNPJ. Então quando falamos em legalização, acabamos diminuindo a questão complexa da religião, afinal, o que a constituição garante é o direito de fé, no qual deveria ser respeitado, no entanto, o que vemos é reforço do preconceito ao longo dos anos”, finalizou.

A redação do BT Mais solicitou posicionamento do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e aguarda retorno.