A situação dos transportes públicos urbanos no Brasil já não estava muito boa antes da crise sanitária que foi deflagrada em março de 2020. Mas quais são as causas do transporte coletivo ter entrado em estado de falência múltipla nas últimas décadas nos municípios brasileiros? Porque as tarifas são tão caras em comparação com a renda média da população?
Cenários Antes e Depois
Em meados da década de 90, o setor atuava muito bem. As razões para isso é que a velocidade das viagens era bem maior, fazendo com que o tempo das viagens fossem ligeiramente menores. Isso impactava diretamente nos custos da viagem.
Antes (Década de 90)
- Demanda maior
- Viagens menores e mais rápidas
- Frota de veículos leves menor, ocasionando menos engarrafamentos
- Custo unitário por passageiro menor
A expansão territorial das cidades, crescimento da frota de carros e a fuga da demanda fez com que os serviços perdessem eficiência, os custos unitários da viagem aumentassem formando um ciclo vicioso e ruim para o sistema. Quando a demanda passa a usar cada vez mais o transporte individual, isso faz com que aumente os engarrafamentos, que por sua vez aumenta o tempo de viagem dos coletivos, recaindo sobre os custos de combustível, menos viagens e assim, perdendo a rentabilidade. Esse fenômeno é denominado deseconomia. Parte desse problema foi causado por uma política voltada para o crescimento da indústria automotiva nacional, sem pensar nas impactos e no fomento dos transportes públicos urbanos. Isso gerou consequências para a mobilidade no Brasil.
Expansão da frota de veículos no Brasil
No Brasil, a frota de veículos cresceu 273% em 22 anos (Imagem com gráficos interativos abaixo) saltando de 29 milhões de veículos para mais de 110 milhões. Na região metropolitana de Belém, entre os anos 2000 e 2021, a frota saiu de 180 mil veículos e foi para 810 mil.
Antes da Covid-19, o setor já amargava uma perda de cerca de 3 milhões de passageiros ao dia (2017) segundo a Associação Nacional de Transportes Urbanos (NTU). Entre 2015 e 2016, o movimento reduziu quase 5% e, em 24 anos (1994–2017), o número de passageiros é 46% menor em junho de 2021.
Durante o auge da Pandemia, e a necessidade de restrições de mobilidade para conter a disseminação do vírus, a crise na mobilidade se agravou. Com menos passageiros por conta do risco de contaminação em ambientes confinados, as empresas entraram em colapso, demitiram mais de 60 mil rodoviários no país todo e a crise está longe de um fim. No início da pandemia, a quantidade de passageiros foi cerca de 80% menor, agora estabilizou-se em 40% menor que no ano de 2019. Atualmente, com o risco sanitário, as prefeituras, incluindo a de Belém, veem-se entre a cruz e a espada: de um lado, a sociedade com um poder de compra achatado pela inflação acima de 10% e com cerca de 12% da população desempregada; e do outro, empresários do setor que amargaram cerca de R$ 16 bilhões em prejuízos com a redução da demanda e aumento dos custos, principalmente com diesel.
No gráfico interativo abaixo, algumas informações sobre os sistemas de transportes em algumas capitais brasileiras. Tais números mostram a queda de demanda ao longo dos anos.
Modelo tarifário defasado
Com modelo tarifário defasado no Brasil, as empresas praticamente transferem todo o custeio pro usuário. Ué?! Mas isso não seria o óbvio? Começaremos pelos casos de sucesso: Os países que são referência onde o transporte público é digno, barato para o usuário, eficiente e bastante utilizado são subsidiados pesadamente pelos governos. Os 5 melhores metrôs do mundo são de empresas estatais (Paris, Moscou, Copenhagen Londres e Nova York). Em outros locais, o sistema de transporte público é misto, mas sempre subsidiado pelos governos nacionais. No Brasil, há apenas algumas exceções como, por exemplo, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, onde uma pequena parte do custeio é feito pelos governos estaduais. Sendo o da capital paulista o maior custeio estatal (20%) em território nacional, principalmente pelo uso de transporte por trilhos (metropolitanos e metrôs), cujo custo é maior. Há apenas 5 anos o transporte público é um direito social no Brasil, no mundo ocidental, isso é coisa do século passado. Em alguns países o subsídio ultrapassa 70% do custo total da passagem.
Como funciona o custeio do transporte público na Europa?#mobilidadeurbana #transportepublico #subsidio #custeio pic.twitter.com/U9GAwZc4rI
— Belém Trânsito (@belemtransito) February 3, 2020
Outro ponto crucial é que a gestão dos sistemas ficou extremamente defasada, com uma frota de manutenção precária, gestão de pessoas atrasada e pouco investimento em equipamentos melhores, como, por exemplo, implementação de conforto térmico e carros mais confortáveis para atrair passageiros pro sistema e que, de quebra, melhoraria as condições de trabalho dos rodoviários que circulam em temperaturas altas, principalmente em Belém. As condições de rodagem desses carros, com buracos e imperfeições no pavimento, também contribuem para uma rápida depreciação desses ativos.
Os transportes também tiveram aumentos maiores que os custos dos insumos dos outros modais de transporte, como carros e motocicletas. Estes dados do gráfico abaixo vão até 2018. Desde 2016, a Petrobrás mudou a política de reajuste baseando-se no câmbio e no preço do Barril, e o resultado é que, só em 2021, o Diesel — que representa cerca de 30% de todo o custeio da operação — aumentou mais de 45%.
Em meio ao já instalado caos, a Covid-19 aterrizou no mundo. As receitas das empresas despencaram. E é aí que o pior dos problemas começa: o modelo econômico do sistema de transportes. Com as receitas em queda, a primeira medida é demitir rodoviários e suspender a rodagem de parte da frota. O sistema precisa gerar lucro. Se um carro roda vazio, medida imperativa para evitar a contaminação do coronavírus, ele não gera retorno financeiro pra quem explora o sistema rodoviário das cidades, pior que isso, ele não paga os custos unitários de uma viagem. A solução: retirar carros das operações. Sem subsídio, não havia como conseguir deixar os ônibus rodando com menos passageiros.
Um dos cenários que poderiam salvar o transporte público em Belém seria o avanço das licitações. O sistema de rastreamento dos veículos já funciona e está em plena operação no Terminal do Mangueirão. Entretanto, com o sistema nacional inteiro com perdas financeiras significativas, pode não conseguir interessados em concorrer às concessões de exploração dos transportes. Em um cenários de incertezas políticas, sanitárias e econômicas, quem poderia se arriscar?
Em 2021, prevaleceu o veto do Presidente da República na (PL) 3364/20 que visava ajudar sistemas de transporte público com R$ 4 bilhões direcionado às cidades com mais de 200 mil habitantes. Não houve um movimento sequer do Governo Federal para avançar sobre a importantíssima pauta dos transportes urbanos. Em fevereiro de 2022, o Senado aprovou um subsídio anual de R$ 5 bilhões ao ano, por três anos, para ajudar o setor, mas ainda aguarda aprovação da Câmara e do Presidente. Para tomarmos a dimensão disto, o custeio total dos sistemas está em torno de R$ 60 bilhões por ano para as cidades acima de 200 mil habitantes. Há um estudo que mostra os impactos financeiros negativos da nossa opção por andar cada vez mais através de veículos individuais. Entre deseconomias, acidentes de trânsito, impactos no meio ambiente e gastos com saúde… as externalidades somadas custam cerca de R$ 160 bilhões para os brasileiros. Na Alemanha, o pacote de ajuda ao setor de transportes foi de cerca de €130 bilhões, e nos Estados Unidos, o pacote de ajuda soma até agora US$ 65 bilhões. No Brasil, até agora, nada.
Com cada vez menos empresas ainda atuando nas cidades brasileiras, sem uma política realmente direcionada para o transporte público, uma mudança no modelo de financiamento, subsídio e custeio, a tendência é que este fique cada vez mais precário. Seguimos aglomerando por necessidade e sem alternativas nos coletivos do Brasil.
Fontes consultadas:
– NTU
– FINANCIAMENTO EXTRATARIFÁRIO DA OPERAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE PÚBLICO URBANO NO BRASIL, 2019, Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho (Doutorando em Economia — UnB)
e Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).