Não faz muito tempo e eu li numa página feminista a seguinte frase: “as mulheres não sofrem porque terminam um relacionamento, elas sofrem pelo que perderam quando estavam com um homem”.
Naquele momento me veio um estalo estrondoso, “Pqp! Que farsa é essa que nós, feministas, estamos ensinando a outras mulheres? A mesma lição fake da invulnerabilidade que o machismo ensinou aos homens.
Na semana passada a cantora Luisa Sonza revelou em seu twitter que não fica com ninguém há um bom tempo e surpreendeu a internet dizendo que não passava de “piranha de internet”. Luiza explicou, “Eu sou uma farsa sou piranha de internet o famoso fogo de palha é um oi meio fofo q a pessoa dá já imagino três filhos um golden retriever e uma casa no Alphaville sou uma vergonha p todos vcs DESCULPA”, disse.
Ao contrário do que suas músicas falam, Luísa não só “senta”. Luísa sente, (com a licença do trocadilho sem graça, reconheço, mas necessário).
Definitivamente, como todos os seres humanos, ora vejam só, Luísa sente. Sente amor, dor, chora, vive conflitos emocionais, afetos, e precisa se relacionar com o outro, porque somos seres relacionais e não objetos descartáveis.
Mas Luísa precisa sustentar a pose de desprendida, insensível, sexualmente potente, e emocionalmente desapegada, que sim, tem muito a ver com a pauta do feminismo liberal do “meu corpo, minhas regras”.
A pergunta é, de qual cartilha essa lição foi extraída?
Bem, a humanidade assumiu uma forma de consumo, de objetificação, e isso começou há alguns mil anos (há divergência sobre quantos mil) mas mais ou menos quando pulamos das sociedades caçadoras-coletoras, para as comunidades agricultoras, e com o início de divisão sexual do trabalho abriu-se oficialmente o mundo patriarcal.
Não se enganem, meninas. A “piranha de internet” é só mais uma armadilha do sistema, e te explico como estamos caindo nela.
O golpe contra tudo o que é natureza (o sentir, por exemplo), é ferramenta do sistema e veio apagando todas as características intrínsecas do feminino. Importante explicar que o “feminino” a que me refiro, não tem a ver com categorização social. Masculino e feminino são partes integrativas de um mesmo ser, independente de identidade de gênero.
O lado direito do cérebro é feminino, e coordena o lado esquerdo do corpo. O lado esquerdo, é masculino, e coordena o lado direito. Aprendemos isso na escola.
O psiquiatra Carl Jung em sua abordagem arquetípica usou o termo Animus e Anima pra explicar isso. São as polaridades que conduzem a consciência humana para o mundo exterior, são modos simbólicos de percepção e comportamento. O “animus” seria a parte masculina, enquanto “anima”, a parte feminina.
Todos nós temos isso dentro da gente, e mesmo muito antes de Jung produzir sua vasta e densa obra, os chineses já falavam sobre trazendo em sua sabedoria o Yin e Yang, enquanto na tradição iogue, o masculino e o feminino foram definidos como Shiva e Shakti.
Mas ok. Uma sociedade bidimensional (mente e corpo), antropocêntrica, hiperintelectual e apartada de outros conhecimentos fora a ciência cartesiana, também é uma obra patriarcal. E a maioria de nós não está preparada pra essa conversa.
Pois bem, sigamos!
Ocorre que a base dessa sociedade, constituiu-se sob o violento domínio do intelecto e da força sobre a emoção. A sociedade atual se orgulha dos impactos dolorosos da cultura hipermasculina.
E quais são as características hipermasculinas? É só olhar pela janela e reconhecer o estrago que a obra do masculino em desequilíbrio fez no mundo: agressividade, guerras, violência, mecanicismo, arrogância, disputas, insensibilidade, sede de poder, falta de espiritualidade.
É fácil perceber como o feminino foi apagado, quando entendemos suas competências: receptividade, intuição, criatividade, beleza, afeto, relacionamento, vulnerabilidade, empatia, inclusão.
Vulnerabilidade é tudo que o hipermasculino não aceita, porque ser vulnerável, numa sociedade violenta que precisa vencer subjugando o “mais fraco”, que precisa performar força física e virilidade, significa “fraqueza”. E já que precisamos ocupar lugares de poder, acabamos reproduzindo a imagem masculina de comportamento.
Menino não pode chorar. Menino não pode sentir. Menino não pode amar. Coma todas as garotas como se fossem um objeto de consumo. Desse jeito você vai parecer uma menina. Isso soa agressivo e machista, né?
Estamos fazendo o mesmo conosco ao impor que uma mulher não pode sofrer quando termina um relacionamento. Estamos fazendo o mesmo conosco, impondo a ditadura do não-envolvimento e percebam, mesmo que Luísa cante isso, não é isso que Luísa sente.
Luísa declarou que deseja envolvimento.
A imposição do não-envolvimento é uma prática machista, de uma estrutura misógina que combate tudo o que performa o feminino. No fundo é dizer pra outras mulheres, “não sinta muita emoção, senão você vai parecer uma mulherzinha”.
Use, descarte, consuma.
Achamos que estamos nos empoderando, mas estamos apenas servindo ao sistema. E o pior, abrindo mais uma ferida de vazio no nosso corpo, além de todas as outras que já nos causaram.
É preciso empoderar-se do próprio corpo sim, e rasgar o regulamento moralista que tanto aprisionou a sexualidade feminina que é potência criativa. Agora, negar envolvimento, e negar às mulheres o direito natural de relacionar-se, isso é uma bela de uma armadilha opressora e precisamos rever urgentemente esse caminho.
Ensinar mulheres que homens, não são o centro do universo, é uma coisa. Outra é dizer que não se pode sentir quando se termina um relacionamento, como se fóssemos máquinas.
Não se trata de “homens e mulheres separados, mas iguais”. Trata-se de evoluir numa jornada integrativa. A maioria dos homens, de forma trágica, segue desconectados de um aspecto fundamental da sua humanidade, que é o feminino. E nós mulheres, estamos seguindo o mesmo riscado, e nos desconectando também.
Precisamos falar sobre todas as identidades de gênero que cabem numa sociedade diversa. No entanto, se seguirmos estimulando as características hipermasculinas de comportamento é bem capaz que estejamos daqui a alguns anos, vivendo numa sociedade diversa, plural enquanto categorização social, mas doente, infeliz e patriarcal da mesma maneira.
Não se enganem. O sistema tem muitas armadilhas. Feminismo é cura. E ser vulnerável faz parte disso.