Via Agência Pública, por Alice Maciel.
Aprovado a toque de caixa na Câmara dos Deputados na última terça-feira (29), o projeto de lei que regulamenta o lobby vai dificultar a apuração de esquemas de corrupção envolvendo lavagem de dinheiro e ocultação de bens. Minutos finais antes da votação, o relator da proposta, deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos – MG), incluiu um parecer que impede o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) de fiscalizar parentes e “estreitos colaboradores” de pessoas expostas politicamente. Nessa lista estão os companheiros, filhos, pais, enteados, sócios e assessores de parlamentares, ministros e juízes.
Se o texto já estivesse em vigor, casos como o das “rachadinhas” no gabinete de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, por exemplo, não teria sido descoberto, conforme ressalta a consultora em anticorrupção da ONG Transparência Internacional, Maria Regina Reis.
A resolução do Coaf que permite ao órgão monitorar as contas como as do ex-assessor do senador, Fabrício Queiroz, perderá a validade, se o PL 1.202/2007 virar regra. Isso porque a lei tem uma hierarquia superior à resolução. “A resolução não pode ser contrária ao que está na lei”, explica Reis. A proposta precisa passar pela aprovação do Senado antes de ir à sanção do presidente.
O artigo 24 do PL do Lobby aprovado na Câmara “estabelece o rol taxativo das pessoas expostas politicamente”. Isso significa que apenas os ocupantes dos cargos descritos na matéria estarão passíveis de monitoramento de operações financeiras. Lafayette de Andrada copiou a lista vigente na norma do Coaf, excluindo, no entanto, os familiares, sócios, ou quem possua “qualquer outro tipo de estreita relação de conhecimento público com uma pessoa exposta politicamente”, ou seja, de agentes públicos que ocupam cargos relevantes, como por exemplo: os detentores de mandatos eletivos dos poderes Executivo e Legislativo; os ministros de estado; diretores de entidades da administração pública indireta; membros dos Supremo Tribunal Federal e dos tribunais de justiça; do Ministério Público e do Tribunal de Contas. “Essas pessoas do entorno que foram excluídas, não poderão mais ser fiscalizadas pelo Coaf”, observou Reis.
Em entrevista à Agência Pública, Andrada justificou que o texto está amparado na Constituição e que o país tem “uma legislação muito rigorosa e muito eficiente contra desvios”. “A gente tem a lei anticorrupção, a lei de lavagem de dinheiro, tem o código penal, tem a lei de improbidade administrativa. Se há evidências de que está acontecendo algo ilícito, todas essas leis permitem que qualquer pessoa seja investigada”, afirmou. “A resolução do Coaf colocou todo mundo como politicamente exposta, o meu funcionário é, a minha mãe é, todo mundo é, o que eu acho que, convenhamos, não são”, acrescentou.
A consultora da ONG Transparência Internacional, que acompanhou de perto a tramitação do projeto, destaca que este trecho do parecer do relator é um “jabuti” – jargão usado na política para se referir a um tema inserido em um projeto sem relação com o texto original. “Por que ‘pessoa politicamente exposta’ está no projeto de regulação do lobby? Não tem nada a ver”, questiona.
Segundo Andrada, a Lei do Lobby trata dos agentes públicos e a relação dos agentes privados com os agentes públicos e que todos os pontos abordados “têm razão de ser, tem uma lógica, dentre desse conjunto inteiro”. “Nada saiu da cartola, nada é jabuti”, defendeu. O parlamentar admite, portanto, que “a lei não é perfeita”. “É o primeiro passo”, ressaltou. “O Brasil é um dos últimos países a fazer a lei sobre lobby. Lá na frente, é muito razoável que ela seja aperfeiçoada. Mas acho que no contexto geral, é uma lei que está muito sensata, muito razoável, muito equilibrada e vamos ajustando, aperfeiçoando com o tempo”, disse.
Propostas da sociedade civil foram retirada de texto aprovado
A tramitação do PL do Lobby na Câmara dos Deputados foi marcada por manobras e atropelos no processo legislativo. O tema entrou na pauta da Casa neste mandato, em dezembro de 2021, quando o Executivo apresentou uma proposta para regulamentar a atividade – uma das exigências que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) faz aos países que desejam integrá-la.
O texto seguia o trâmite regular na Comissão de Trabalho e Administração até 15 de julho de 2022, quando o então relator, deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE), apresentou seu parecer que agregava diversas propostas das organizações da sociedade civil. Logo após o recesso parlamentar, no entanto, o projeto sofreu uma reviravolta.
No dia 3 de agosto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), colocou em votação o requerimento de pedido de urgência para analisar o PL do Executivo. Em 9 de novembro, o texto foi apensado à proposta de 2007, de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Com a manobra, foi designado um novo relator, o deputado Lafayette de Andrada.
Apenas um dia depois, ele apresentou seu primeiro parecer sem as sugestões da sociedade civil acatadas no relatório de Coutinho. Mais de 50 entidades, dentre elas, a Transparência Internacional, Pacto pela Democracia e Observatório do Clima, enviaram propostas ao texto.
Mas foi a esposa do parlamentar, a advogada Layla de Andrada quem atuou ativamente na construção do relatório do marido. Especialista em direito tributário, ela também já trabalhou como lobista da empresa Vivo em Minas Gerais. “Isso há mais de dez anos, antes de nos conhecermos”, afirmou Lafayette de Andrada. Segundo o deputado, Layla o ajuda em todos os projetos. “Ela é uma pessoa altamente competente, ela me ajuda desde quando eu fui eleito deputado. Todos os projetos que eu trabalhei ela me ajudou. Ela me dá consultoria jurídica”, contou.
Augusto Coutinho disse à Pública que foi surpreendido com a votação do substitutivo do colega de partido – o texto passou por votação simbólica na Câmara. O parlamentar não o procurou para debater o tema.
Texto aprovado atende a interesses de entidade de lobistas
O deputado federal Lafayette de Andrada teria atendido demandas da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig) – que representa os lobistas – conforme informações de bastidores apuradas pela reportagem.
Um dos pontos que teriam sido retirados do texto de Coutinho a pedido da entidade, por exemplo, se refere à transparência dos documentos trocados entre os lobistas e os agentes públicos, conforme relataram pessoas que acompanharam a tramitação da matéria. O primeiro relatório previa a publicação na internet de “todos os documentos trocados antes, durante e após a audiência”. Já o substitutivo de Andrada, obriga apenas a publicação da descrição do assunto, em até quatro dias após a data do evento.
O deputado disse que optou por não se aprofundar nesse tema por entender que os dois lados têm razão – dos que defendem uma transparência ativa para a publicação dos documentos e dos que defendem o sigilo. “Eu falei: ‘gente, não vou entrar nessa briga, os dois lados têm razão, aí o plenário decide’”, destacou.
Apesar de ter acatado nesse caso a proposta da Abrig, ele nega que houve favorecimento à associação. “Eu conversei com todas as entidades, com todas as lideranças partidárias”.
Na avaliação da presidente da Abrig, Carolina Venuto, o relator “aproveitou as discussões que foram feitas nesses mais de 30 anos que o assunto está em debate”. Segundo ela, a regulamentação do lobby é a pauta principal da entidade. “Então, é natural que a gente organize as informações, que a gente esteja debruçado sobre esse tema, que a gente produza material, que a gente subsidie as autoridades muito mais, de repente, que, por exemplo, uma ONG de questões climáticas”, afirmou.
Ela defendeu que há avanços no projeto, como o que prevê sanções aos agentes públicos que praticarem assédio contra os lobistas.
Por outro lado, Andrada não incluiu em seu relatório a obrigatoriedade do agente público de justificar o recebimento de brindes, presentes e hospitalidades. De acordo com o texto aprovado, “hospitalidade legítima é a oferta de serviço ou pagamento de despesas com transporte, alimentação, hospedagem, cursos, seminários, congressos, eventos e feiras” a um agente público, “se estiver diretamente relacionada aos propósitos legítimos do órgão ou entidade a que ele pertence”; “as circunstâncias sejam apropriadas à interação profissional” e “os valores sejam compatíveis com hospitalidades oferecidas a outras pessoas nas mesmas condições”.
“Do jeito que está colocado no texto, está direcionado para esses seminários jurídicos e essas feiras que os parlamentares vão. Está totalmente direcionado para isso. A lei legitima o patrocínio de eventos luxuosos”, destaca Maria Regina Reis, da Transparência Internacional. A proposta ainda pode permitir, por exemplo, a oferta de voos em jatinhos.
Lafayette de Andrada disse que nesse caso, “copiou o que está previsto no Estatuto do Servidor há mais de 30 anos”. “Eu não inovei em nada”, acrescentou.
O advogado do Instituto Socioambiental (ISA) Maurício Guetta criticou ainda que o PL do Lobby restringe a participação da sociedade civil e “traz dispositivos que abrem margem para abuso de poder”. Segundo ele, o capítulo que trata das sanções administrativas possui termos genéricos que “abrem margem para abuso de poder e para que qualquer autoridade mal intencionada possa se utilizar para realizar perseguições políticas”.
Na avaliação do parlamentar, há um erro na interpretação do texto. “Essa lei é do lobby, é representação de interesses, estão confundindo com ativismo”, destacou. De acordo com ele, o texto deixa claro que a manifestação de opinião é livre. “Está na Constituição, ninguém pode ser punido por manifestar opinião”.
Advogados lobistas ficam de fora das sanções
Enquanto o Projeto de Lei abre brecha para a perseguição a movimentos sociais, ele isenta os advogados de se submeterem à lei, conforme destacam os especialistas. O inciso III do artigo 9º diz que: “Para fins dessa lei, não configura representação de interesse: (…) a prática de atos no âmbito de processos administrativos, judiciais e legislativos, na forma estabelecida na legislação processual e na Lei n° 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil).
O detalhe é que o Lafayette de Andrada foi o relator do PL 5284/2020,que incluiu o artigo no Estatuto da OAB, que diz que “o advogado pode contribuir com o processo legislativo e com a elaboração de normas jurídicas, no âmbito dos Poderes da República”.
O deputado justifica que caso o advogado esteja fazendo o trabalho de lobista, ele estará submetido à lei. Ele afirmou que sua proposta se refere à relação com o judiciário. “De acordo com o Estatuto da OAB, no processo judiciário quem fala é o advogado, não é o representante de interesses”, observou. “Qualquer um que vier fazer representação de interesse, não interessa a profissão, quando destinado a influenciar processo ou tomada de decisão, tem que se enquadrar nesta lei (do Lobby)”, observou. “O advogado que vier aqui na Câmara e falar comigo sobre um assunto tal, ele é lobista”, ressaltou Andrada.
Texto: apublica.org.