Patrícia Lélis foi um dos assuntos mais comentados na internet nesta segunda-feira (15) após a divulgação de que é procurada pela Justiça dos Estados Unidos por acusações de fraude eletrônica, transações monetárias ilegais e roubo de identidade. Ela inclusive teve o nome incluído na lista de foragidos do FBI.
Esse é apenas o mais recente episódio na conturbada vida da blogueira e jornalista brasiliense de 29 anos, que ganhou fama não por reportagens que publicou – após se formar, nunca trabalhou regularmente para um veículo de comunicação –, mas pelos problemas judiciais que acumulou dentro e fora do Brasil.
Lélis, que começou a militar como uma jovem conservadora, antifeminista, ligada ao bolsonarismo, inclusive dizendo ter namorado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), acusou Marcos Feliciano (PL-SP) de estupro e passou a se apresentar como esquerdista, mas acabou expulsa do PT por transfobia.
Vítima de suposto estupro em casa que nunca foi comprovado
Nascida no Hospital Regional de Taguatinga (DF) em 30 de janeiro de 1994, Patrícia morou na cidade-satélite durante a infância e adolescência e estudou em colégios particulares nos ensinos fundamental e médio. Cursou jornalismo no UniCeub, uma faculdade privada da Asa Norte, no Plano Piloto.
Foi nessa época que ela registrou sua primeira ocorrência policial. Em 2013, foi à 12ª Delegacia de Polícia, em Taguatinga Sul, e disse ter sido vítima de lesão corporal e injúria. Depois, no mesmo ano, fez outras duas ocorrências sobre o mesmo crime. Disse que tudo ocorreu por meio da internet.
Já em setembro de 2015, Patrícia registrou uma ocorrência de estupro. Ela informou que o crime havia ocorrido entre 1º e 30 de maio de 2010. Fez um relato cinco anos depois em sua página no Facebook. Por causa dele, foi procurado pelo Metrópoles, esteve na redação do portal, acompanhada da mãe, e contou os detalhes do abuso.
A então universitária relatou ter sido ameaçada e disse ainda que o agressor teria cortado a língua dela diversas vezes. O criminoso, segundo ela, era um técnico chamado para consertar a máquina de lavar da família. O portal citou a entrevista de Lélis anos depois. Alegou não ter publicado o relato por ser desconexo. O caso segue em apuração e ninguém foi preso até hoje. Sequer há suspeitos.
Antifeminista, conservadora e vítima de roubo sem ocorrência
À época do relato ao Metrópoles, Patrícia Lélis seria personagem de uma reportagem especial sobre abusos sexuais. Na entrevista, a jovem atacou o feminismo. Disse ter superado a violência sozinha, sem a ajuda de outras mulheres. Ela, que dizia ser evangélica, usava as redes sociais para atacar feministas.
Com tal posicionamento, conseguiu um cargo de assessora do PSC na Câmara dos Deputados e arrumou muita confusão com colegas de faculdade. Ao ponto de estudantes de jornalismo se unirem para invalidar o trabalho final dela, que visava desconstruir o feminismo.
Além do cargo de confiança, Patrícia Lélis fez estágios em empresas de assessoria e veículos de pequena influência. Quem trabalhou com ela ouviu histórias fantásticas que dizem ser fantasiosas. Entre elas, a de que não foi trabalhar um dia por ter tido o carro roubado e bandidos causarem acidente com morte.
Mas ela nunca apresentou ocorrência policial, tampouco houve notícias nos veículos de imprensa de Brasília sobre tal crime. Assim como não há registros dos estágios em veículos prestigiados como ela contava ter feito. Um deles no jornal The New York Times.
Para colegas de trabalho e faculdade, Patrícia Lélis dizia ainda ter trabalhado como embaixadora da Organização das Nações Unidas (ONU). Já a professores e alunos do UniCeub, contou, para justificar faltas constantes, que tinha um câncer no cérebro. Sem nunca ter apresentado qualquer sintoma da doença ou provas que fazia tratamento, depois não tocou mais no assunto.
Patrícia terminou a faculdade militando como uma jovem cristã ultraconservadora, e seguiu por mais um período no PSC.
Acusação contra Feliciano foi arquivada e Patrícia acabou processada
Patrícia Lélis ganhou fama nacional em 2016, após ter acusado Marcos Feliciano de estupro. Ela contou que tudo aconteceu dentro do apartamento funcional ocupado pelo deputado, um pastor evangélico, na época em que ela trabalhava no PSC, partido do parlamentar.
Além de ter feito o registro formal em uma delegacia, Lélis disse ter relatado a suposta violência sexual a uma pastora evangélica. Mas, em 2019, a Justiça do Distrito Federal acatou o pedido do Ministério Público local e arquivou a denúncia. O promotor do caso alegou que não havia qualquer prova contra o parlamentar.
No entanto, Patrícia Lélis ainda acusou Talma Bauer, assessor de Marco Feliciano, de sequestro e cárcere privado em um hotel na capital paulista entre julho e agosto de 2016. Bauer chegou a ser detido e liberado posteriormente, enquanto Lélis acabou indiciada pela Polícia Civil de São Paulo, por denunciação caluniosa e extorsão.
O delegado Luiz Roberto Hellmeister, titular do 3º Distrito Policial (DP), disse que Lélis era “mentirosa compulsiva” e “mitômana”. A polícia paulista chegou a pedir a prisão preventiva dela, o que foi negado pela Justiça.
Polícia também apontou denunciação caluniosa no caso de Eduardo
Um ano após registrar queixa contra o pastor Feliciano, ela acusou Eduardo Bolsonaro de ameaçá-la após troca de ofensas públicas. Ela afirmou que o filho 03 de Jair Bolsonaro a teria chamado de “otária” e ameaçado “acabar com a sua vida” caso a discussão continuasse.
Lélis disse que as ameaças ocorreram após ela ter trocado Eduardo por um médico cubano. Na época da acusação contra o deputado, que a assessora dizia ser seu namorado, ela trabalhava no PSC. Relatório da Polícia Civil do Distrito Federal apontou, em 2021, que havia indícios de crime de denunciação caluniosa.
Após perder eleição em 2018, Patrícia Lélis foi para os EUA
Em 2017, enquanto acusava Feliciano e Eduardo, Patrícia Lélis publicou algumas fotos junto a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pediu desculpas “por ter ido às ruas e ter sido a favor de um golpe”, em referência ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Com milhares de seguidores em suas redes sociais, Patrícia Lélis trocou o domicílio eleitoral de Brasília para São Paulo, filiou-se ao Pros e se lançou candidata a deputada federal em 2018. Não obteve o número mínimo de votos para conquistar uma vaga na Câmara dos Deputados.
No início de 2019, começaram a surgir nas redes sociais denúncias de fraudes contra Lélis. Entre outras coisas, ele foi acusada de calote por um grupo de 12 pessoas que trabalharam em sua campanha eleitoral. Mas, àquela altura, Lélis já não estava mais em São Paulo nem em outra cidade do Brasil.
Com Jair Bolsonaro eleito presidente da República e Eduardo Bolsonaro reeleito deputado federal, ela se mudou para os Estados Unidos, onde, por meio das redes sociais, dizia estar casada, fazendo um mestrado e vivendo como uma exilada política. Também passou a se apresentar como “feminista radical”.
Expulsa do PT por causa de discurso transfóbico
Com tal bandeira e outras identificadas com a esquerda, Patrícia Lélis ganhou outros milhares de seguidores e passou a atacar pesadamente o governo de Jair Bolsonaro. Mesmo já com os casos arquivados, continuava a acusar Feliciano e Eduardo dos mesmos crimes. Ela se dizia injustiçada, perseguida e ameaçada.
Com o discurso cada vez mais alinhado ao da esquerda, Patrícia Lélis se filiou ao PT. Mas integrantes dos partidos recuperaram publicações antigas dela nas redes sociais. Em uma delas, disse que uma mulher trans “mostrou seu pênis a outras mulheres e adolescentes” ao entrar em um banheiro em Los Angeles.
Lélis foi expulsa da legenda em 2021 depois de investigação interna pelas declarações transfóbicas. “Externamos nosso repúdio às postagens publicadas por Patrícia Lélis e informamos que vamos aplicar ao caso as normas estatutárias cabíveis, de forma a deixar claro que o PT jamais compactuará com narrativas de ódio e preconceito como é a transfobia”, disse o partido em nota.
Patricia Lélis ainda tentou reverter a situação. Ela processou o PT por ser classificada como transfóbica. Pediu R$ 100 mil por ser classificada como transfóbica. Ela continuou militando nas redes sociais a favor de Lula, o apoiando na disputa de 2022 contra Jair Bolsonaro. Em maio de 2023, a blogueira perdeu o processo contra o PT.
Acusações nos EUA podem render até 32 anos de prisão
Agora Patrícia volta ao noticiário policial com a notícia, que viralizou na segunda-feira, de que a Justiça dos EUA a procura porque se passava por advogada especializada em imigração e enganava clientes. O golpe rendeu cerca de US$ 700 mil (cerca de R$ 3,4 milhões), segundo investigadores.
Entre outros crimes, a Justiça norte-americana também acusa a brasileira de ter falsificado formulários de imigração dos EUA, forjado múltiplas assinaturas e criado recibos falsos. Somadas, as penas dos crimes pelos quais Perícia Lélis é acusada chegam a 32 anos de prisão.
Promotor do Distrito Oriental da Virgínia pede que informações sobre o paradeiro de Lelis sejam encaminhadas ao FBI. A foto da brasileira, e-mail e número de telefone para denúncia foram divulgados pelas redes sociais.
Sem dizer onde estava, também na segunda-feira, Patrícia Lélis foi às redes sociais para provocar o governo dos EUA, confirmando que é procurada pelo FBI.
“Sim, o FBI no USA está me ‘procurando’. Mas já sabem exatamente onde estou como exilada política. Foram meses de perseguições e falsas acusações. Meu suposto crime: Não aceitei que me fizessem de bode expiatório contra aqueles que considero como meus irmãos por cultural e principalmente por lado político e sim, ‘roubei’ todas as provas que puder para mostrar o meu lado da história e garantir minha segurança. E esses documentos já foram entregues ao governo que me garantiu asilo politico”, escreveu a blogueira.
“Se quiser podem me matar, mas eu JAMAIS iria contra o meu proprio povo, ainda mais
para dar informações ao USA. Agora vou ali curtir uma praia bem tranquila. Beijos e mais beijos.”, concluiu ela, sem dar qualquer detalhe.
O governo brasileiro não deu “asilo político” a Patrícia Lélis. Também não há informação de que ela tenha protocolado denúncia contra algum governo ou estrangeiros em alguma das polícias do Brasil. Tampouco ocorrência de que ela esteja sob ameaça de morte.
via O Tempo