No último sábado, 21, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou para Roraima, se encontrou com lideranças indígenas do povo Yanomami e do Ministério da Saúde para prestar solidariedade e acompanhar o estado crítico da etnia, que sofre com desnutrição e malária. Na ocasião, Lula decretou estado de emergência em saúde pública. É a primeira vez que o decreto foi realizado pelo chefe do executivo do Brasil desde a Pandemia de Coronavírus, em 2020.
Dados coletados pelo Ministério da Saúde e enviados ao Ministério dos Povos Indígenas na semana passada mostram que 586 crianças com idade abaixo de cinco anos na Terra Indígena Yanomami têm “muito baixo peso para a idade”. Outras 968 têm “baixo peso para a idade”.
Cerca de 40% da população Yanomami teve diagnóstico confirmado de malária em 2022. As informações são do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, vinculado ao Ministério da Saúde. Mas hoje a situação piorou de forma catastrófica, desnutrição e outras doenças estão chegando aos povos da floresta, que estão vulneráveis e sem cuidados especializados dos órgãos que deveriam proteger e defendê-los.
Mais de 30 mil habitantes vivem no território, reunindo oito povos indígenas no local. Segundo o Governo Federal, estima-se que 570 pessoas tenham morrido pelas doenças evitáveis e, somente em 2022, foram registrados 11.530 casos de malária.
Essa tragédia anunciada pode ser colocada na conta de quem?
Sônia Guajajara, ministra dos Povos Originários, explicou que a situação é de calamidade total, com indígenas morrendo de “mortes evitáveis”, como desnutrição, diarreia e malária.
OMISSÃO DO GOVERNO BOLSONARO
Líderes do povo Yanomami relataram que, nos últimos quatro anos, fizeram uma série de denúncias ao Governo Federal sobre o avanço do garimpo ilegal em terras protegidas e sobre a falta de assistência médica na região. O esforço, contudo, foi em vão, porque os pedidos de ajuda foram ignorados pela gestão de Jair Bolsonaro (PL). Segundo informações, 22 ofícios foram enviados para o Governo Federal pedindo ajuda, mas ela não chegou.
Em 2020, a então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pediu ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) que não enviasse aos indígenas, que padeciam pela pandemia da covid-19, leitos de UTI, água potável, materiais de limpeza e higiene pessoal, ventiladores pulmonares e materiais informativos sobre a doença. Em sua defesa, ela disse que o governo anterior está sendo alvo de mentiras sobre Yanomamis.
Em seu pedido, Damares alega: “Mesmo cientes da situação de excepcionalidade vivida pelo país e da celeridade em aprovar projetos de lei que beneficiem e protejam os povos tradicionais, os povos indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais, eles não foram consultados pelo Congresso Nacional”.
Imediatamente, Bolsonaro acatou a determinação de sua ministra. Dois dias depois, em 8 de julho, Luis Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo federal adotasse medidas para conter o avanço da pandemia entre os indígenas.
A determinação de Barroso foi confirmada pelo plenário do STF um mês depois. Em agosto, o Congresso Nacional derrubou o veto de Bolsonaro e referendou a ordem da Corte.
Em agosto de 2022, a atual ministra dos Povos Originários deu uma declaração que resumo bem o que a omissão acarretou: “Teria sido melhor se Bolsonaro nos esquecesse, em vez de ficar trabalhando contra, disse Guajajara durante campanha eleitoral. Na época, Sônia concorria para ser Deputada Federal por São Paulo, pelo PSOL.
A ida de profissionais da saúde às aldeias Yanomami foi bloqueada por garimpeiros nos últimos anos, que assumiram o controle de polos de saúde e de pistas de pouso, segundo informações de representantes dos povos indígenas. Atualmente, os profissionais de saúde precisam se deslocar de avião para conseguir atender à população. Uma tarefa nada fácil, já que eles estão espalhados por 371 aldeias isolada e de difícil acesso no meio da floresta.
GARIMPO ILEGAL NA REGIÃO
Terra é o principal problema do Brasil. A disputa por territórios motiva práticas como o desmatamento, a pastagem e o garimpo ilegal, uma das principais ameaças do povo Yanomami.
Nos últimos 10 anos, cerca de 80% das mortes por conflito no campo ocorreram na Amazônia, segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra. Indígenas tornam-se refém em sua própria casa e precisam viver em estado de alerta para defender um território que, em teoria, é protegido.
Além dos ataques dos invasores, que inclui sequestros de crianças e episódios de estupro, os garimpeiros ilegais são responsável por trazer doenças para dentro das comunidades, o que explica o surto de malária que dizima boa parte do povo Yanomami. Em 2022, foram mais de 11 mil casos registrados.
Nesse sentido, O governo de Jair Bolsonaro (PL) não executou um plano elaborado pelos técnicos do Ibama para erradicar em até seis meses o garimpo na região da Terra Indígena Yanomami. A ação deveria envolver fiscalização aérea e fluvial. A informação foi divulgada divulgada na terça-feira, 24 pelo Ministério Público Federal de Roraima.
Segundo o procurador Alisson Marugal, o plano foi “reconhecido e validado” pela coordenação do Ibama, “mas jamais aplicado”. “Diversas vezes o Ibama impediu que houvesse uma logística adequada para essas operações. O Ibama possui de oito a nove helicópteros para fiscalização, mas eles jamais ficaram em Roraima, mesmo na situação mais complicada de infrações ambientais”, disse Marugal em entrevista coletiva. A declaração foi registrada pelo jornal O Globo.
De 20 pontos de garimpo ativos no território Yanomami, apenas 9 foram desmobilizados no governo Bolsonaro.
IMPACTO NO MEIO AMBIENTE
Fora a poluição ambiental que o garimpo ilegal causa, que impacta diretamente a saúde dos animais e, consequentemente, a saúde humana. De acordo com laudos da Polícia Federal, os quatro rios principais da Terra Indígena Yanomami estão com uma contaminação por mercúrio 8.600% maior que o indicado para consumo humano.
Paulo Basta, cientista da Fiocruz, contou ao The Intercept Brasil que “o cérebro de fetos Yanomami tem sete vezes mais mercúrio de garimpo que o de adultos”.
E ele explica: “O garimpo é um agente de de sedentarização da população. Ao provocar o escasseamento das fontes naturais, cria uma relação de dependência, provoca mudanças no padrão alimentar e introduz doenças que não existiam, porque o ambiente fica mais contaminado por vírus, bactérias e parasitas”.
A omissão diante dos pedidos de socorro do governo Bolsonaro somados à falta de fiscalização na região não só contribuíram para o avanço do garimpo ilegal, como compactuaram com a crise humanitária que hoje é uma triste realidade.
A PANDEMIA DE COVID-19
Em 2020, a pandemia de Covid-19 estourou no Brasil e invasores trouxeram o coronavírus para dentro das terras indígenas que, afastadas e sem assistência médica, viveram um cenário de caos.
“Enquanto e o Brasil e o resto do mundo pararam, mantendo somente as atividades essenciais, os garimpeiros não fizeram quarentena”, denunciou a antropóloga Ana Maria Machado ao site Brasil de Fato, em fevereiro de 2021.
O ESQUECIMENTO DOS POVOS INDÍGENAS
Quando hoje fazemos comentários do tipo “nossa, mas esses indígenas nem são mais de verdade” ou “onde já se viu, indígena usando celular?”, também estamos trabalhando em prol desse apagamento do nosso povo e marginalização dos povos originários.
Estima-se que existam cerca de 900 mil indígenas, divididos entre aproximadamente 300 povos, segundo o Censo do IBGE de 2010. Achar que “índio” é tudo igual é desmerecer culturas, costumes e vivências.
MEDIDAS PARA AJUDAR
Além de decretar emergência, o Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública no local e anunciou o envio de cestas básicas, medicamentos e insumos.
O presidente Lula também determinou a criação de um comitê interministerial para criar um plano de apoio aos povos yanomami.
DOAÇÕES
A Central única das Favelas (Cufa) está com três pontos de coleta de arrecadações, comida, itens básicos e de higiene e de saúde em São Paulo, outras três ONGs se mobilizam para fazer doações para os Yanomamis em Roraima. A plataforma Ifood se juntou a uma ONG para ajudar na doação de comidas.
Desde sábado, doações chegam à Roraima. Nesta terça-feira, 24, um caminhão com 40 toneladas de doações, com alimentos e itens de higiene, sairá da capital com destino a Roraima. Segundo a Cufa, estão sendo aceitas doações de qualquer tipo de alimento e produtos de higiene e outros caminhões serão enviados ao povo Yanomami.
A ONG Ação da Cidadania, que é referência há décadas no combate à fome no Brasil, começou na segunda-feira, 23, a entregar 10 toneladas de alimentos aos Yanomami. A iniciativa é emergencial, mobilizada pela organização em parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). No domingo, 22, na capital, Boa Vista, 85 toneladas de alimentos foram arrecadadas pelo Ministério e doadas aos indígenas. E os esforços em uma rede de apoio que envolve governo, ministérios, ONGs, profissionais da saúde e sociedade civil continua para salvar os Yanomami.
*Com informações de CNN Brasil, Capricho.abril e o Povo.