Recentemente veio à tona um caso de racismo religioso no Big Brother Brasil. Vamos entender do que se trata?
“Trata-se do ataque a pessoas negras pelo simples fato de seguirem a umbanda, o culto de Ifá ou qualquer outra religião afro-brasileira, como o candomblé, o batuque, a encantaria, a jurema, o nagô-vodun, o tambor de Mina, o terecó, o xangô e o xambá.” Fonte: Agência Senado.
Importante: isso não aconteceu só no BBB. Se fores acompanhar notícias sobre o assunto, vais perceber o quanto essa violência vem crescendo, nas mais diferentes formas. Há pouco tempo foi noticiado o caso da mãe que escreveu ataques no livro Amoras, do cantor Emicida. Nas referências aos orixás, ela usou palavras como “ideologia” e “religiões anti-cristã”.
Não vai ser difícil também lembrar de casos de ataques nas ruas, às vezes pelo simples uso de um adereço religioso. Isso sem contar as violências expostas nas mídias sociais, com uso de diversos xingamentos e desrespeito. A violência expressa em suas diferentes formas.
No último dia 21 de março, foi instituído o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, em função da lei Lei 14.519. Dessa forma, ampliam-se as possibilidades de debates, maior conscientização e propostas de solução para esse tema essencial.
Por que precisamos falar mais sobre isso? E por que a definição de um Dia Nacional é importante?
Estudiosos entendem que o racismo religioso está diretamente relacionado ao racismo estrutural, problema seríssimo que impacta a realidade sobre a presença de pessoas nas negras nos mais diversos espaços – mercado de trabalho, posições de liderança, cargos político, por exemplo. Embora sejam a maioria do povo: 56% da população nacional. Fonte: Agência Senado
Podes estar te perguntando, qual a origem dessa violência toda? Segundo Sidnei Barreto Nogueira (Doutor em linguistica e semiótica, finalista do prêmio Jabuti com o livro Intolerância Religiosa):
“— As origens do racismo estão no período colonial. Para justificar a escravização e a transferência forçada dos africanos para o Brasil, os europeus criaram uma hierarquia no mundo. Tudo que caracterizasse os pretos seria inferior, da cor da pele à organização social, do comportamento à produção cultural. Foi uma forma deliberada de desumanizá-los, coisificá-los. Sendo reles coisas, os pretos puderam ser escravizados à vontade, sem que os brancos carregassem o peso da culpa. Como parte desse processo, também as crenças foram hierarquizadas. A religião dos pretos, assim, não passaria de magia, superstição, idolatria, bruxaria.”
Para a historiadora Valquiria Velasco, veio sendo construída institucionalmente a associação entre a crença de religiões afro-brasileiras, o culto demoníaco e a prática de maldades, de forma totalmente equivocada. Diz ela: “No início do século passado, não era barato tirar fotografia. Mesmo assim, sempre que havia uma batida policial num terreiro, os jornais faziam questão de publicar alguma foto daquelas pessoas com roupas e instrumentos ritualísticos — continua a historiadora. — Tanto o poder público quanto a imprensa ajudaram a reforçar o estigma, que sobreviveu ao tempo. Hoje em dia, quando um negro aparece vestido de branco, ele é imediatamente tachado de “macumbeiro”. Quando é um sujeito de pele clara, é visto como médico.” Fonte: Agência Senado
E antes que tu digas: ah, mas toda religião sofre preconceito, eu sou cristão e também me desrespeitam… Vamos aos dados.
Um levantamento apontado pela Agência Senado e realizado pela instituição Ilê Omolu Oxum e pela Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) com 255 pais e mães de santo em todo o país em 2022 mostrou que 60% dos terreiros sofreram pelo menos um ataque nos dois anos anteriores. Além disso, 80% dos líderes entrevistados relataram que pessoas de suas comunidades já sofreram algum tipo de violência motivada por racismo religioso.
Quantas notícias de igrejas sendo destruídas e depredadas já vimos?
Quantas manchetes sobre padres e pastores sendo atacado na rua?
Outro fato significativo é que a exposição à esse tipo de violência torna a população negra, e aqui especificamente, adepta das religiões de matrizes africanas muito vulnerável à episódios de sofrimento emocional.
Por isso, é essencial levarmos esse debate adiante e sempre. A criação de um dia especial em respeito às tradições das raízes de matrizes africanas deve funcionar como um forte incentivo aos diálogos e conscientização. Além de incentivar denúncias e punições em casos que requeiram sanções cabíveis.
Essa conversa não se encerra aqui. Que possamos ler e conversar sobre o assunto cada dia mais em todos os espaços.
Até a próxima.
Juliana Galvão
Psicóloga
CRP10/3645