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Servidor da UEPA denuncia violência e racismo praticado por policiais em Paragominas

No domingo, 25 de junho, um homem identificado como Kleber Silva dos Santos, servidor público efetivo da Universidade do Estado do Pará (UEPA), relata ter sido vítima de violência policial e racismo institucional durante uma abordagem de policiais militares na rua Samuel Câmara, bairro Camboatã, em Paragominas, no sudeste do Pará.

Uma confusão entre vizinhos foi interrompida por Kleber, que diz ter agido para impedir uma agressão de seu irmão a um vizinho.

“Naquela ocasião, eu só queria separar meu irmão de uma possível agressão a um vizinho, quando fui abordado por dois policiais apontando armas na minha cara, me chamando de vagabundo e meliante. Com medo, entrei na minha casa e fechei meu portão e comecei a gravar. Três policiais arrombaram meu portão, adentraram e me puxaram à força para fora e começaram a me agredir com socos por diversas partes do corpo, inclusive no meu rosto, atingindo meu nariz, momento em que cair no chão e eles começaram a me algemar. Jogaram spray de pimenta no meu rosto, que se espalhou por
todo o corpo e, depois de algemado, um dos policiais me deu um mata leão e me estrangulou até que eu escarrasse sangue e perdesse os sentidos”, conta a vítima.

Os policiais foram chamados depois que o vizinho ouviu barulhos na residência de uma discussão entre o irmão de Kleber e a cunhada. Segundo o servidor da UEPA, seu irmão havia ingerido bebida alcoólica e foi questionar o vizinho, o qual já tinha uma desavença. Ao perceber que a situação poderia piorar, Kleber evitou que seu irmão viesse a agredir o vizinho. Foi então que a primeira viatura da PM chegou ao local.

Os indícios de preconceito e desrespeito ao cidadão são reforçados até pelo vizinho envolvido na situação, segundo Kleber.

“Até mesmo a suposta vítima, o vizinho a quem meu irmão queria agredir, foi ao Ministério Público relatar esse ocorrido e, afirma, categoricamente, que sou inocente, vítima de preconceito racial e que se eu fosse branco não teria passado por tudo isso”, ponderou.

Enquanto passava pelos momentos de agressão policial e temia pela sua vida, o servidor pensava no motivo de tudo aquilo. “Naquelas horas de agonia, aflição e de exposição ao ridículo, eu só queria saber o por quê de todo aquele constrangimento e violência. E a única verdade é que sou vítima de racismo institucionalizado. De um sistema corporativista, assassino da cidadania de pretos e cruel com os mais vulneráveis. Fui torturado pelos PMs. Fui levado para a UPA e o médico não me atendeu. Fui ameaçado pelos PMs dentro do hospital, na delegacia. Não fui adequadamente ouvido pela Polícia Civil. Mesmo tendo réu primário, não tive fiança estipulada na delegacia. Fui parar no presídio na segunda-feira, 26 de junho. Eu fui torturado física e moralmente do começo ao fim, por policiais militares, civis, pelo hospital e policiais penais, tudo por conta da minha cor de pele.”, afirmou Kleber.

O servidor foi levado até uma UPA depois de ter ficado por duas horas na delegacia sem ser ouvido nem atendido. “Eu estava com o corpo ardendo do spray de pimenta. Estava com os olhos vermelhos e cuspindo sangue. Eles quebraram o meu nariz. O delegado nem falou comigo. Disse que precisava de atendimento médico porque estava machucado. Fui levado para uma UPA, falei para o médico que precisava de atendimento e medicamentos, mas não recebi nada. Nenhum medicamento, nem curativo. O policial ainda veio e me disse: “Seu preto, tu teve sorte de não ter te dado sal”. Depois, voltei na viatura para a delegacia, mas não me ouviram de forma adequada”, disse Kleber.

PRISÃO

Na cadeia, o servidor público conta que teve a cabeça raspada e foi colocado em uma cela junto a outros presos do sistema penitenciário. Ele foi mantido na cela C-4, e recebeu um tratamento desrepeitoso, passando por situações vexatórias, como ficar sem roupa e algemado sem ter cometido crime.

“Vale ressaltar que não me deram a oportunidade de me identificar e tentar explicar o ocorrido. Sou pai de família, cidadão de bem, sou servidor público Estadual, trabalho na Universidade do Estado do Pará. Sou formado em gestão pública, estou cursando graduação em direito. Fiquei preso do dia 26 até às 20h da noite do dia 27. Meu sentimento é de revolta, indignação e de injustiça por estar sendo acusado de um crime que não cometi. Sou inocente e espero, veementemente, que a justiça seja feita. Acredito nas instituições públicas, sou consciente que nelas existem bons profissionais, mas também existem nelas maus profissionais. Dessa forma, não vou me acovardar perante essa injustiça e essas atrocidades inadmissíveis, inaceitáveis e intoleráveis”, desabafou.

JUSTIÇA

Por fim, Kleber afirma que vai seguir agora em busca de justiça e espera que o seu caso seja repercutido para que uma mudança profunda aconteça no sentido de proteger e garantir respeito e segurança aos pretos e pretas que vivem nas periferias de cidades brasileiras, mas que são vistos com preconceito pela polícia.

“Quero que o meu caso seja um exemplo ímpar de justiça social e não quero ser mais um preto morto pela polícia na periferia de uma cidade brasileira. Quero ressaltar que o Governo do Pará, já implantou o sistema de câmeras corporais na segurança pública do Estado, mas não são todos da Polícia Militar que não fazem uso dessas câmeras, não sei por qual motivo, pois outros órgãos, como o Detran por exemplo, já fazem uso. E afirmo que se a Polícia Militar estivesse usando essas câmeras corporais situações como essa não teriam acontecido”, aponta.

Dois dias depois de sair da prisão, Kleber procurou a Defensoria Pública e a Justiça, sendo atendido por uma promotora. “Eu contei tudo para a promotora Adriana, que me explicou que após a conclusão do inquérito policial, que leva cerca de 30 dias para ficar pronto. Os elementos da minha inocência são claros e o crime cometidos pelos policiais ficará comprovado. O inquérito policial será encaminhado para o Ministério Público e a minha inocência vai ser comprovada”, disse Kleber ao BT.

Sobre os sentimentos vividos em toda essa situação, Kleber disse que se sente profundamente entristecido mas acredita na justiça. “Fui agredido e recebi um tratamento desumano na frente da minha mulher e da minha filha, que ficou chorando. Eu estou muito triste e amargurado com tudo isso. Eu vi a morte quando estava sendo agredido e recebendo um mata leão até perder os sentidos. Eu sigo agora acreditando que a justiça vai ser feita e com a certeza da minha incocência”, pontuou.

RESPOSTAS

Em contato com a instituição de ensino superior, o Coordenador do Campus da UEPA em Paragominas, Madson Sousa, disse que Kleber é servidor efetivo em Paragominas há dois anos na função de técnico administrativo e estava de férias quando passou pela situação de racismo e violência policial.

“Tomamos conhecimento do que aconteceu com o Kleber. Ele está de férias em casa, se recuperando do que ele passou. Ainda um pouco abalado, mas com força para falar e com advogados para a sua defesa e para se sentir em segurança para falar. Ele se sente ameaçado e agora está conseguindo falar. A UEPA ainda vai se pronunciar “, detalhou o coordenador ao BT.

Em nota, a UEPA disse que acompanha o caso e lamenta o ocorrido com o servidor.

A Polícia Civil informou que Kleber foi apresentado na Seccional de Paragominas suspeito de praticar os crimes de dano, desacato e resistência.

A Polícia Militar ainda não respondeu ao nosso contato.

Confira as notas na íntegra:

“A Universidade do Estado do Pará (Uepa) informa que Kleber Silva dos Santos é servidor do campus da Uepa em Paragominas. A Uepa lamenta o ocorrido e está acompanhando o caso”.

“A Polícia Civil informa que um homem foi apresentado pela Polícia Militar à Seccional de Paragominas suspeito dos crimes de dano, desacato e resistência. Ele foi ouvido e liberado. O procedimento foi encaminhado ao Poder Judiciário”.