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Uma saída para os motoristas de aplicativos

Motoristas que atuam na plataforma UBER entram em greve nos Estados Unidos, em 2019.

Logo que o Uber chegou no Brasil em 2014, a promessa e a propaganda de uma renda extra com corridas privadas fez muitos profissionais liberais sonharem com um complemento na renda. Naquele ano, nos Estados Unidos, houve várias publicações nos portais reportando ganhos de mais de US$ 60 mil anuais por motoristas. Há reportagens de receitas de até US$ 90 mil por ano. Parecia ser um excelente negócio: nas horas vagas, usar seu automóvel, um ativo caro que fica 95% do tempo na garagem para levar as pessoas pras baladas, pro trabalho ou pra casa. Essa era a ótica do pretenso motorista. Sob a do consumidor, gastar um pouco mais que um passagem de transporte público, ter um conforto muito acima do metrô, ser apanhado na frente de casa e ser deixado na porta do seu destino. Teria coisa melhor?

O céu de brigadeiro ficou carregado logo que a plataforma começou a pegar fatias consideráveis do mercado. A partir de 2017, as brigas com o segmento dos taxistas se acirraram culminando em protestos e agressões físicas nas capitais brasileiras. Taxistas viam passageiros passarem reto nos aeroportos, com os rostos pregados ao telefone celular, entrando nos carros de aplicativos. Em 2018, um levantamento apontou que a queda nas corridas de táxi foi maior que 50% no Brasil.

Abertura de capital e redução dos rendimentos dos motoristas

E aí veio a IPO do Uber. O IPO é a siga para initial public offering, traduzindo, oferta inicial pública. Quando a empresa entra no mercado de capitais, de modo sucinto, ela entra com um valor inicial por ação. Dá-se então a compra e venda daqueles papéis, agora ofertados nas bolsas. No caso do Uber, na bolsa de valores de Nova Iorque. Um pouco antes da oferta inicial, motoristas americanos protestavam e faziam greves por conta das sucessivas baixas na sua receita e eram contra a entrada da companhia no mercado de capitais. E tinham suas razões: o modelo de negócio da companhia foi arriscado. Captou mais de US$ 8,1 bilhões de dólares (bem abaixo do esperado, é bom frisar), dali em diante precisaria dar lucro aos investidores. Desde 2010, a estratégia de atrair investimentos e dominar o mercado se mostrou arrojada, entretanto a partir de 2018, começou a cobrar o preço: achatou os rendimentos dos motoristas e não acompanhou a elevação dos custos do combustível. Por exemplo no Brasil, quando começou a escalada no preço do litro da gasolina, motoristas reclamaram demasiadamente por conta do valor baixo das corridas, fazendo com que a qualidade do serviço caísse bastante.

Gráfico de receitas por mês da Uber e Lyft nos Estados Unidos: detalhe para 2020 — começo da pandemia nos EUA, onde o valor caiu para menos de 1/4 das vendas em relação à 2016.

Do outro lado, passageiros enchiam as redes sociais de reclamações que corridas mais longas e/ou com pagamentos via cartão de crédito estavam sendo canceladas a esmo pelos motoristas parceiros. A pandemia acelerou o processo de deterioração das condições de trabalho e fez o que parecia ser improvável: o transporte de passageiros por táxi voltou a ser competitivo devido ao apagão de motoristas nas plataformas de transporte, ao longo de 2021.

Pesquisa do BT em 2019

Em 2019 nós fizemos uma pesquisa bastante detalhada sobre o regime de trabalho com informações sobre custos, receitas, horas trabalhadas, etc só com trabalhadores da região metropolitana de Belém. Na ocasião, os dados mostravam que 62% dos motoristas estavam desempregados e apenas 25% usava para complementar renda. Na média, um motorista rodava cerca de 4,5 mil quilômetros e 25% rodava acima de 5 mil km mensais, sendo que a média do motorista brasileiro convencional é de 13,9 mil km por ano. Mais de 63% dos motoristas trabalhavam mais de 220 horas mensais. No quesito renda, a média ficou em R$ 1,7 mil ao mês, e para os que alugavam veículos, o valor era de R$ 1,6 mil. Notadamente, precisavam rodar mais 1000 km por mês. Por fim, a principal reclamação era o baixo valor repassado ao motorista pela plataforma (76%).

Entidades se organizam

Depois das duas piores fases da pandemia (Março a Junho de 2020 e Fevereiro a Maio de 2021, motoristas de aplicativos começaram então a se organizar para conseguir driblar as altas tarifas que atualmente podem chegar até 40% do valor das corridas. Iniciativas como na cidade de Araraquara, onde 95% da receita é repassada aos motoristas, começaram a se espalhar. Em São Paulo, uma aplicação já está sendo desenvolvida através de iniciativas dos motoristas e também vai operar também no segmento de delivery. A grande vantagem é que não existe patente violada neste mercado, o que não pode é copiar o código da programação. Segundo o sindicato da categoria em Belém, há cerca de 25 mil motoristas, mas apenas 500 são filiados. Isso demonstra o tamanho do potencial, se organizados, de promover, desenvolver e faturar através do seu próprio aplicativo. Tal iniciativa é comparada com as ainda sobreviventes cooperativas de táxi que conseguiram condições especiais na compra combustíveis, veículos e pontos estratégicos ao longo de várias décadas mas tiveram uma baixa nos últimos 5 anos por conta da entrada das plataformas de transporte. O táxi quase sumiu, mas resiste e recentemente ganhou sobrevida.

Sob a perspectiva governamental, é urgente que governos coloquem ordem na casa. É fato que as plataformas democratizaram o transporte com opções mais baratas, mas pesquisas indicam que os congestionamentos aumentaram nas zonas urbanas indo pelo caminho oposto que o mundo deseja (ou pretende) trilhar sob a perspectiva de redução do transporte individual nas cidades, redução da emissão de gases e fomento do transporte coletivo: 2030 é logo ali. É imperativo que haja o compartilhamento de dados sobre origem e destino de passageiros nas empresas de transporte de aplicativos de forma que as entidades governamentais possam usar como ferramenta para otimizar o transporte público urbano.

Depois de experimentar bons ganhos no início das operações das plataformas, especialmente no caso da UBER, os motoristas amargaram muitas perdas financeiras, achatamento da renda, escalada no preços dos combustíveis e fuga em massa dos aplicativos. Especialistas chamaram este episódio de Dumping social: atrair o mercado com preços muito atrativos, marketing massivo, pagar bons rendimentos aos motoristas através de boas doses de investimento privado e abertura de capital na bolsa. Em seguida, houve um brutal achatamento da renda desses trabalhadores, que foi mais cruel no Brasil, com o aumento da gasolina. Agora, entendendo melhor o mercado e suas dinâmicas, eles tem uma grande oportunidade de promoverem uma alternativa viável e com ganhos honestos para toda a categoria. Basta unirem-se, pegar um atalho para evitar pagar as gordas comissões dos shareholders do mercado financeiro.