//

Unimed cancela plano e pais são cobrados por cirurgia em criança com câncer

A família de uma criança de 9 anos com câncer no crânio está sendo cobrada pelo hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, por uma dívida de R$ 53 mil após a Central Nacional Unimed não pagar por uma cirurgia. O plano já tinha negado custear a radioterapia do paciente. O hospital não comenta, e a Unimed diz que o pagamento “está em análise”.

O que aconteceu?

Socorrido às pressas. Leonardo já vinha reclamando de dores de cabeça quando, em dezembro de 2021, foi levado às pressas para o hospital depois de um domingo com grande incômodo e enjoos. Para surpresa dos pais, o garoto, então com 7 anos, foi internado imediatamente após ser diagnosticado com um câncer no crânio.

O tumor atingiu a hipófise, uma glândula. “Agora ele tem um distúrbio de tireoide, desenvolveu diabetes e perdeu parte da visão“, diz o pai do garoto, o bibliotecário Sadrac Leite Silva, 45.

“A gente ficou completamente perdido porque jamais esperava receber essa notícia. Ele ficou 15 dias internado sentindo dor. Às vezes só morfina pra controlar.” Sadrac

Após três cirurgias, Unimed negou radioterapia. A última operação, realizada no dia 5 de abril deste ano, durou 12 horas e deixou Leonardo na UTI por quatro dias. “Os médicos já deixaram programada a radioterapia para depois da operação”, diz o pai.

“Mas a Unimed negou dizendo que o tratamento não estava no rol da ANS [Agência Nacional de Saúde]. O médico pediu reanálise com urgência porque esse era o único tratamento para o caso dele, que já estava perdendo a visão. Mas negaram de novo.” Sadrac

Unimed cancelou o plano

Os pais só conseguiram realizar as 28 sessões de radioterapia depois de conseguir uma liminar (decisão provisória) na Justiça. Ainda assim, a Unimed enviou uma carta no final de abril comunicando o cancelamento do convênio.

Leonardo, hoje com 9 anos, já passou por três cirurgias para retirar um tumor no crânio
Imagem: Arquivo Pessoal

Hospital cobra R$ 53 mil

Unimed não libera senha para pagamento. Enquanto recorria à ANS para tentar manter o plano, a família recebeu outra surpresa: no dia 16 de junho o Beneficência Portuguesa enviou uma mensagem informando que “houve ausência de emissão de senha de autorização pela operadora de saúde [a Unimed]” para “atendimento médico hospitalar prestado”.

Segundo o hospital, ele “está impedido de proceder com a cobrança diretamente da operadora, devendo tal fatura ser revertida para cobrança particular”. O valor é de R$ 52.964,93.

“Nós somos servidores públicos, não temos condições de pagar. Quem está cobrando é o hospital, que deveria resolver com o convênio.” Marilene Ribeiro Barbosa, 43, mãe de Leonardo

Hospital não comenta

Procurada, a Beneficência Portuguesa disse em nota “que tem prestado todos os esclarecimentos aos responsáveis pelo paciente”. “A instituição não comenta publicamente qualquer caso envolvendo clientes de seus serviços de saúde.”.

Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo (SP)
Imagem: Divulgação/BP

Unimed nega irregularidade

Apesar de a cobrança ter sido feita pelo Beneficência Portuguesa há dois meses, a Unimed disse em nota que “os custos [da cirurgia] estão em análise”.

A Unimed também defende o cancelamento do contrato. A operadora afirma que a rescisão de planos coletivos (contratados pelas empresas), como é o caso, “está prevista e regulamentada pela ANS”. Disse que comunicou o beneficiário com a antecedência exigida e que não age “de maneira discricionária ou discriminatória”.

Central Nacional Unimed, em São Paulo
Imagem: Divulgação

O casal criticou a ANS, que não teria revertido o cancelamento do plano. “A gente pagava R$ 1.458 de convênio. Procuramos a ANS, que pra gente deveria estar do lado do cliente, mas está rendida às empresas”, diz a mãe. “A abertura do chamado não teve nenhuma solução, parece só uma coisa formal”, completa o pai.

Procurada, a ANS “não comenta casos específicos de beneficiários”. “Mas, diante das denúncias, irá solicitar à operadora que preste esclarecimentos adicionais sobre o caso”, afirma.

Cancelamentos são autorizados em caso de fraude

A agência diz que a operadora só pode excluir um beneficiário desse tipo de plano “em caso de fraude ou perda de vínculo com a contratante”, se isso estiver em contrato.

Os procedimentos autorizados na vigência do contrato [como a radioterapia] deverão ser cobertos pela operadora, uma vez que foram solicitadas quando o vínculo do beneficiário com o plano ainda estava ativo.

ANS

Sobre a radioterapia, a Unimed diz que “a técnica IMRT não constava do rol de procedimentos da ANS”, mas “cumpre as decisões judiciais”.

O caso é mais um a engrossar as estatísticas sobre cancelamento unilateral de planos médicos. O assunto ganhou força este ano em razão das centenas de reclamações sobre cancelamento de planos médicos que chegam aos gabinetes dos membros da Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência da Assembleia Legislativa de São Paulo.

“Esses cancelamentos unilaterais atingem majoritariamente crianças”, diz a presidente da comissão, a deputada Andréa Werner (PSB). “A maioria dos casos é de pessoas com deficiência e doenças crônicas.”

A deputada oficiou o Ministério Público Estadual, que analisa se abre investigação sobre esses casos.

Fonte: UOL/SP