Nos últimos anos, os microplásticos ganharam destaque como uma das principais ameaças ambientais. Essas partículas de plástico, menores que 5 milímetros, podem derivar de objetos plásticos maiores ou serem produzidas diretamente em tamanhos reduzidos. São encontrados em diversos produtos do nosso dia a dia, como cremes esfoliantes, cosméticos, produtos de higiene pessoal e tecidos sintéticos.
O impacto do plástico no ecossistema amazônico
Embora a produção de plásticos na região Norte do Brasil seja limitada, a Amazônia não é imune à poluição plástica. Estudos revelam que os microplásticos estão amplamente distribuídos nos ecossistemas amazônicos, tanto nos rios quanto na região costeira. Pesquisas da Universidade Federal do Pará e instituições parceiras, destacam a presença de plásticos e microplásticos em diferentes ambientes, como na Baía do Guajará, peixes dos rios Amazonas e Xingu, ninhos de pássaros da espécie Japu e nas areias das praias do litoral nordeste do Pará, particularmente em Salinópolis.
Em entrevista ao BT Amazônia, o pesquisador Eduardo Martinelli, do Laboratório de Oceanografia Biológica da UFPA, falou sobre a presença dos plásticos e microplásticos na região Amazônica. “O microplástico primário é fabricado já em tamanho pequeno, como os pellets e microesferas, usado em cosméticos, cremes esfoliantes e até pasta de dente”, disse Martinelli. Já os microplásticos secundários são originados da manipulação de plásticos maiores, como garrafas PET e copos, embalagens, que se quebram em partículas menores devido a ações físicas, químicas e biológicas no meio ambiente,” afirmou
Poluição nos Ambientes Costeiros e Aquáticos
De acordo com Martinelli, os impactos dos microplásticos nas áreas costeiras amazônicas são alarmantes. Uma pesquisa realizada em 2019 na praia das Corvinas, em Salinópolis, revelou a presença de microplásticos em todas as amostras de areia coletadas, sempre em diferentes proporções. “Os microplásticos estão amplamente distribuídos nas praias de Salinópolis; às vezes em pequena proporção, mas sempre estavam lá”, destacou o pesquisador.
Posteriormente, os pesquisadores analisaram a presença de microplásticos em anêmonas-do-mar, organismos marinhos encontrados em cidades costeiras como Algodoal e Salinópolis, no Pará. “Também identificamos partículas de plástico nesse animal, geralmente de origem secundária”, explicou Martinelli.
A contaminação não se limita às praias. Amostras coletadas no alto mar amazônico, na plataforma continental, a até 200 km da costa, também evidenciaram grandes quantidades de microplásticos, em níveis superiores ao esperado.
Em outro estudo realizado na Baía do Guajará, entre as margens direita e esquerda, a presença de microplásticos foi mais acentuada na margem direita, mais próxima à área urbana de Belém. “As amostras coletadas na margem esquerda, correspondente às ilhas, apresentaram uma quantidade menor de partículas em comparação com a margem direita, próxima ao núcleo urbano de Belém. As amostras desta última estavam mais sujas e continham uma quantidade maior de partículas”, explicou Martinelli.
Além disso, uma pesquisa feita por uma estudante de mestrado do grupo, revelou um dado preocupante: o japu (Psarocolius decumanus), uma espécie de ave comum nas matas da América do Sul, tem incorporados detritos plásticos na construção de seus ninhos. Em 66,67% dos ninhos testados, foram encontrados principalmente fibras emaranhadas e cordas, provenientes de materiais descartados da pesca.
Efeitos na fauna aquática
A contaminação por microplásticos afeta diretamente a fauna aquática da região, que entra em contato com as partículas suspensas na água ou acumuladas no sedimento do fundo dos rios e mares. Espécies aquáticas que se alimentam de pequenas partículas podem confundir o microplástico com alimentos naturais. “Há registros de animais que selecionam o microplástico como alimento”, alertou o pesquisador. Os microplásticos acabam se acumulando na biota local, afetando a saúde dos animais e, por conseguinte, impactando as cadeias alimentares.
Comparação com outras regiões do mundo
Embora o impacto dos microplásticos na Amazônia seja alarmante, Martinelli destacou que o problema não é exclusivo da região. “A presença de microplásticos na Amazônia é semelhante à observada em outras partes do Brasil e do mundo. Em algumas áreas da Amazônia, a situação pode ser até mais grave devido à precariedade do saneamento básico”, explicou.
De acordo com estudos recentes, onde há falhas no tratamento de água e esgoto, a probabilidade de encontrar microplásticos no ambiente aumenta significativamente. “Os microplásticos que chegam ao ambiente vêm junto com o esgoto e a água contaminada, e muitas vezes as lavagens de roupa se tornam grandes fontes de fibras plásticas”, completou Martinelli.
Riscos para a saúde humana
Embora ainda sejam estudos recentes sobre os efeitos dos microplásticos na saúde, pesquisas indicam que partículas presentes na água e nos alimentos contaminados podem chegar até os seres humanos. “O impacto direto na saúde pública ainda não é totalmente compreendido, mas sabe-se que a contaminação pela ingestão de microplásticos é uma preocupação crescente”, afirma o pesquisador.
Em entrevista a TV Cultura de São Paulo, a médica e patologista Thais Mauad ressalta que microplásticos já foram detectados em diversos órgãos humanos, como pulmões, coração, placenta e até no sangue, indicando que essas partículas circulam pelo corpo. “Trata-se de uma substância com a qual nunca tivemos contato até cerca de 50 anos atrás. Hoje, sabemos que ela carrega não apenas o plástico em si, mas também diversos aditivos utilizados para dar características específicas, como cor, flexibilidade e resistência. São mais de 5 mil aditivos identificados, sendo que 1.500 já têm comprovação de toxicidade”, explica Mauad.
Ela destaca que esses aditivos podem ser cancerígenos, neurotóxicos e disruptores endócrinos, entre outros problemas graves. Estudos realizados com animais e células humanas demonstraram que os microplásticos podem causar danos como alterações na parede celular, produção de enzimas inflamatórias, danos ao DNA e outros efeitos tóxicos. “Os potenciais patogênicos são graves, mas ainda não sabemos ao certo o impacto em longo prazo, como a concentração necessária para provocar doenças ou o tempo de exposição”, conclui a médica.
ENTREVISTA COMPLETA: https://www.youtube.com/watch?v=ww3A3cBaG7s&t=0s
O adiamento do Tratado Global de Combate à Poluição Plástica
Recentemente, a comunidade internacional discutiu a criação de um Tratado Global de Combate à Poluição Plástica, em uma conferência na Coreia do Sul. No entanto, o acordo entre as 170 nações participantes ainda não foi alcançado, o que representa um atraso no enfrentamento do problema. Para Martinelli, a maior preocupação é com os plásticos de uso único, como canudos, sacolas,pratos, talheres, copos, entre outros, que podem ser substituídos por outros materiais mais resistentes e reutilizáveis. “A falta de um acordo significa mais produção, mais consumo e mais descarte inadequado”, afirmou o pesquisador.